Bonaparte Jobim, advogado e escritor, nos traz outra pérola de conto.

Amanheci com o diabo no corpo.

A minha figura refletida no espelho, fantasiada de alegria, confirmava o vaticínio matinal! Três da madrugada! Fazia, pelo menos, a minha décima visita ao banheiro, o porteiro já me chamava pelo apelido. Olhava em dúvida o meu reflexo, embora iguais, pensávamos diferente, se parte de mim aconselhava voltar para casa, o resto me afirmava que melhor lugar, no mundo, não existia, além do mais, um diabinho assoprava no ouvido esquerdo: “depois das duas a bronca é a mesma!”

Mas o porre vacilou, abriu uma brecha, e veio a realidade: hoje a Sandrinha me mata! Sai da boate sem passar pelo salão. Paguei a conta para o garçom e me mandei pelos fundos: levei medo da luz negra e da pista de dança; a vontade de ficar era muito grande.

No táxi comecei a montar uma desculpa, não queria ainda usar a da carta, essa era para uma confusão maior, ia adotar a clássica: a turma, grandes recordações, uns tragos a mais,...

Ah Raul, só você para ilustrar tão bem essa nossa falta de lucidez.

Sujeito normal o escambau! Somos sujeitas da própria maluquez, aprendendo na loucura real.

 “O melhor que podemos fazer em relação a nosso mundo incompreensível e perigoso, portanto, é praticar o equilíbrio interno - por maior que seja a insanidade que exista do lado de fora”. (Elizabeth Gilbert)

É Liza Gilbert, somos um mistério. Um turbilhão de pensamentos. Uma máquina perfeita.(pelo menos o projeto era)

Perfeita por poder decidir entre ser feliz e sofrer, entre amar e errar, entre construir e cair, entre chorar e agradecer.

Perfeita por poder fazer escolhas e mesmo tendo as melhores possibilidades, o caminho mais difícil e tortuoso teima em ficar a frente. Por quê?

Essa insanidade desmedida, que assola, que persegue, que amedronta, que quer de todo jeito controlar a sua e a minha lucidez, “é tão fácil seguir”...

Há um...

Os hormônios tomaram conta da ala feminina do meu convívio nesses últimos anos.

A conseqüência disso foi muitos bebês nascendo, muitas mães felizes, apaixonadas pelas novas pessoinhas que vieram ao mundo, mas ao mesmo tempo muito, muito cansadas...

Tenho peninha, afinal ninguém avisou pra mamãe que após o nascimento de um filho e, apesar de amar ele acima de tudo e de todos, a criança é como uma bomba – chega e detona com seu casamento, sua vida a dois, seu momento de paz e tranquilidade, seu lazer e acaba com suas noites!

Depois quando a poeira baixa você percebe a leoa que foi e a avalanche pelo que passou, sente que seu casamento está diferente do que era, essencialmente não quer dizer pior ou melhor, apenas diferente.

Nos livros que lidos durante a gravidez, as reportagens e textos que se coleciona sobre um monte de assuntos poéticos de como ser uma boa mãe, nada prepara você realmente para o campo de batalha que inicia quando nasce um bebê.

...

Cansada das mazelas, andei sonhando que a notícia do momento era outra.

Sonhei que o Laboratório CheRo estava faturando milhões com sua mais nova invenção: cápsulas de alegria.

Sério! CheRo garantiu o maior lobby da história, produção autorizada, distribuição imediata.

A mídia enlouquecida não parava de fazer inserções ao vivo sobre a maior descoberta de todos os tempos,  o combate do novo vírus.  Era repórter por tudo dizendo: todos irão sobreviver!

A alegria por muito tempo vinha sendo esquecida, só se falava em crise, violência, drogas e terrorismo. As pessoas estavam, cada dia, mais desanimadas, mais depressivas, mais amedrontadas. Uma névoa pairava no ar.

Desta vez o ibope não se fixará na tragédia e a sociedade do espetáculo não terá um produto efêmero, poderá propagar muitas, muitas boas novas.

Este laboratório ganhará o...