Eu vou usar o nome de Manuela para contar meu desabafo, eu sei que não vai me ajudar em nada, nem mudar minha realidade, mas eu preciso falar.

Eu tenho 19 anos, nasci em Rondônia, numa família pobre, sou a 3º filha, numa família de 4 irmãos, ainda muito pequena meu pai se separou da minha mãe, eu nem lembro direito, foi e construiu outra família, as coisas foram difíceis, mas minha mãe sempre foi muito batalhadora, muitos vizinhos ajudaram, com comida e roupas e brinquedos não tinhamos muitos, mas usavamos a nossa criatividade, brincavamos com pedrinhas, com terra, a patroa da minha mãe nos dava os livros que o neto dela não queria mais, as revistas em quadrinhos, apesar das dificuldades eu fui muito feliz, tinha o rio perto de casa, eu tinha meu irmãos, agente roubava fruta, agente brigava na escola, defendiamos uns aos outros, brigavamos uns com os outros.

Aos 11 anos de idade eu soube que meu pai morreu, trombose, tinha tido mais 3 filhos com a nova esposa, e a filha dele, dizem que se parece muito comigo, nesse mesmo ano minha mãe entrou na igreja, na igreja evangélica, virou uma fanática, deu fim a nossa tv, nos forçava a ir a igreja, eu gostava da igreja católica, nos forçava a usar roupas que não queriamos, calça comprida para os meninos, vestidos horríveis pra mim, saias, as vezes eu inventava que tava doente pra não ter que ir, aquele homem parecia que tinha feito uma lavagem cerebral na minha mãe, era uma nega muito bonita, agora se vestia de velha e renegava toda e qualquer vaidade, nos privava de qualquer diversão que não fosse pela igreja ou para "Cristo" e quando pensei que nada podia piorar, ela começou a se relacionar com o pastor e pra completar meu pesadelo, ela casou com ele e fomos nos morar na gaiolinha dourada, eu preferia ter passado fome do que ter ido pra lá, os filhos, a família e ele viviam a nos humilhar, um bando de mer*** que usam o nome de Deus pra ganhar dinheiro, fugi uma vez e me acharam e nunca apanhei tanto na vida, se fosse minha mãe que tivesse me batido eu nem dizia nada, mas foi ele que me bateu, e minha mãe aceitava tudo, não sei que tipo de cegueira era essa, se era amor, o fanatismo dela, o dinheiro dele, o status de esposa do pastor.

Uma pessoa da casa me violentou, ele disse que me mataria se eu contasse, eu contei assim que pude e minha mãe não acreditou e ainda me bateu, disse que eu queria acabar com a vida dela, que eramos a desgraça da vida dela, ela me disse coisas que eu não acreditei, parecia que ela guardava um rancor da gente há anos, não sei se foi estresse, algo só da hora. Eu arrumei minhas coisas e fugi de novo, eu passei duas semanas desaparecida, mas fui achada, outra surra... Eu andava todo tempo com uma faquinha de descascar laranja na bolsa, embaixo do travesseiro, se o molestador vinhesse novamente eu tava disposta a tudo e ele veio, mas não era tão homem assim teve medo.

Durante o culto eu fugi de novo, foi a última vez que vi minha mãe e meus irmãos, passei dois anos muito difíceis na rua, mas eu não suportava a ideia de viver sendo humilhada, vendo meus irmãos serem humilhados, ser abusada por aquele imundo, a cegueira da minha mãe.

Sinto saudade dos meus irmãos, queria saber como eles estão e tenho medo, tenho ódio, tenho saudade da minha infância, da minha casa simples, dos banhos de rio, da minha mãe...

Eu casei com um homem mais velho e ele nunca questionou meu passado, nem mesmo diante de como me conheceu, é paciente, me ensina as coisas, me deu uma casa que posso dizer que é minha, reavivou meus sonhos, me incentiva a estudar, mas não esqueço minha família. :,(,,