Há alguns dias, ficamos debatendo neste nobre espaço sobre música e quadrinhos; aspectos da cultura pop que gravitam em torno do nosso modo de ver a vida e do que nós somos.

Gostaria hoje, de falar de contos de horror; aquele tipo de narrativa que excita nosso cérebro e nos deixa com os sentidos em alerta, aquilo que nos transporta para as fronteiras do desconhecido. Ou seja, mais um post \"viajandão\" meu...

Stephen King é um dos mestres do gênero; ele cria uma atmosfera tão densa de terror que ao final da narrativa, qualquer alcunha que ele adote para o mal em questão funciona: Assobiador das estrelas, o flautista cego, o palhaço parcimonioso...expressões aparentemente simples que assumem um outro sentido quando pega um dos livros do mestre nas mãos.

Um dos contos que mais me marcou, em sua aparente simplicidade, foi este (em rápidas linhas):

A Jornada

No futuro, as viagens são rápidas por conta de um sistema de teletransporte. Visitar um planeta distante é fácil, basta fechar os olhos e aceitar ser sedado por gás para ser deslocado à velocidade da luz. O protagonista do conto explica ao seu filho a gênese do aparelho: os primeiros experimentos com objetos e seres vivos. Estranhamente, as cobaias - ratos e peixes - não sobreviviam ao teletransporte, chegavam do outro lado com um aspecto doentio e logo morriam. Foi feito um teste com um condenado ao corredor da morte, se saísse vivo...ele seria perdoado. Ele passou, mas saiu do outro lado do portal - a distância não interfere no processo - com os cabelos totalmente brancos. Antes de morrer ele apenas disse: \"Lá...é a eternidade\".

Depois disso, descobriu-se que passando as pessoas sedadas, nada de mal acontecia do outro lado. A máquina passou a ser comercializada com sucesso. Uma pessoa foi condenada por fazer passar sua esposa pelo portal e selecionar destino algum do outro lado...em tese, a mulher continua viajando sem corpo, gritando por toda a eternidade, sem possibilidade de morrer e descansar.

O homem continua contando ao seu filho que aparentemente; apesar do corpo viajar, a mente não viaja na mesma unidade de tempo, sem hiatos. A mente desperta, levaria um longo tempo para fazer a jornada, uma eternidade envolta no véu branco da espera, para sempre esperando e esperando, sozinha consigo mesmo...

O guri ouve fascinado e ambos são sedados; o homem acorda no destino com gritos...seu filho, com cabelos brancos, uma criatura mais velha que o mundo, berra babando: \"é longa a jornada papai, mais longa do que parece..\" e arranca os próprios olhos com as mãos, cacarejando como uma antiga e lunática criatura. O garoto não tinha aspirado o gás sedativo, resolvendo experimentar o axioma sempre temido da jornada.

É isso, em síntese porca.

A grande sacada é que o conto não se limita ao sofrimento rápido de uma morte por mais horrenda que seja o mal. Fala da decadência da mente, perdida na espera eterna pela saída. Você, acompanhado apenas com seus pensamentos, sem poder voltar, fechar os olhos, descansar o cérebro...para quase todo o sempre na jornada.

O nível de sadismo é explícito em você imaginar o seu filho sob tamanha via dolorosa, sem escapatória, sofrendo por talvez milhares de anos dentro da unidade indivisível da mente, até chegar ao outro lado...um momento que nunca parece chegar.

Um conto simples, ao estilo \"o verdadeiro sofrimento não é conhecido\", brinca com os personagens e com as possibilidades não dando a eles qualquer tipo de redenção ou escapatória.

Um conto de mestre!