Si e Jean,

Muito, mas muito obrigada mesmo. O que meu marido argumenta é exatamente na mesma linha que vocês. Existem parâmetros mínimos para uma pessoa com o tempo de carreira e as especializações que tenho. Ele acha que se for pra sair de casa e se matar trabalhando (já foi o meu caso, atualmente meu trabalho é humano e tem hora pra entrar e pra sair) por menos de X, é prostituição. Pela tabela da Si, eu, como advogada de contencioso sênior, estou abaixo do mínimo, o mesmo dizendo da análise do Jean. O problema é que, na minha área, quem ganha dinheiro a rodo são os sócios, nunca os empregados. Aqui onde trabalho os salários são muito variados, ninguém sabe quanto o colega ganha porque contam os anos de prática, o nível do trabalho apresentado, os clientes que se prospecta, o tempo de casa, etc. etc. Estou há sete meses neste escritório e em abril recebo meu segundo aumento, mas mesmo assim bastante tímido e insuficiente pra que eu esteja no patamar mínimo que meu marido defende.

Não consigo argumentar muito com ele (e isso é bem raro) quando falamos de dinheiro, porque no fundo eu também acho que ganho mal. Só que penso que assim é o mercado, que se sair daqui não vou encontrar outro escritório que me pague o que recebo e nem que me dê uma série de regalias - não benefícios - no dia a dia, como sair mais cedo que os demais colegas pra buscar minha filha na escola, não ter cobranças com horário fixo, não haver pressão pra produzir, ambiente de trabalho saudável e por aí vai.

Meu marido diz que se fosse eu faria tudo diferente: se encarnaria nos estudos e se dedicaria a passar num bom concurso. Diz que isso leva de 5 a 10 anos e que se eu tivesse me esforçado logo que me formei, ao invés de me atirar na primeira oportunidade de subemprego só por não suportar ficar em casa estudando, hoje estaria bem de vida. Vou dizer o que disso? Eu realmente tentei, não com muito afinco, mas tentei, só que ficar isolada em casa ou só ir a um cursinho por anos a fio não rolou pra mim. Quando fiquei em casa a pretexto de estudar, eu mais cuidava dos assuntos do meu marido (abertura de agendas, convênios, cobranças, documentos, burocracia, bancos, pagamentos, etc) do que qualquer outra coisa, mas ele sempre disse que o problema era a minha desorganização e falta de foco.

Às vezes me sinto a mais inútil (mas é só por uns minutinhos, hahaha). Gosto do meu trabalho, gosto muito, mas ninguém vive só de gostar, né. Fico pensando se não é mais maduro admitir isso de vez e partir pra outra.

Adoro as perguntas que vocês me fazem. Estou aprendendo muito contigo, Si. Muito mesmo. Tanto que, às vezes, quando estou numa situação difícil, me pego pensando "mas o que eu quero com isso?" "O que isso importa de verdade?" "como EU me sinto a respeito?" "O que posso fazer NESTE MOMENTO"?

Resumindo, eu queria continuar onde estou ganhando o dobro. Simples! Hahahaha. É sério, se eu ficar aqui por muitos anos, sei que estarei feliz. O problema é o money.

Esses dias um colega contratado depois de mim veio conversar e me disse que não se imagina estando aqui por uns cinco anos e ganhando o que as pessoas com chefia ganham. Pode parecer presunçoso, mas é verdade. Imagina ficar 5, 10 anos, galgar novos postos e assumir mais responsabilidades, mas ficar sempre na rabeira da tabela de honorários?

O mais triste é saber que eu ganho 3 vezes mais que os advogados juniores. Esses ganham menos do que vendedor de loja no shopping. Quando começa o bochicho por salário, só escuto e não digo nada. Se meus colegas menos experientes soubessem o quanto eu ganho, ficariam revoltados.

Gu, meu marido é um oligão comigo, mas nem sempre foi assim. Ele se tornou uma pessoa amarga por acreditar que durante anos ralou que nem um desesperado e eu fiquei só no vidão, e nunca quis sair do interior pra que ele pudesse viver dignamente. Eu de fato não tinha o sonho de morar em Floripa, gostava muito da simplicidade do interior e de ganharmos, eu e ele, bastante bem. Ele não me perdoa por achar que eu o explorei. A grande mágoa dele é sentir que foi meu escravo. Tudo o que ele puder fazer pra que eu sofra na carne o que ele passou e produza-produza-produza, sei que vai fazer. Triste pra nós dois, mas mesmo no meio das bobagens que ele me diz há um fundo de razão.