De como eu me perdi da minha velhice

precisofalar
Postado em:
02/04/2009 - 17:12

Mais um presente pra vocês, aqui no Preciso Falar. A Cris Guerra tem um blog muito bacana, o Para Francisco e uma história de vida super marcante.

 

E eu não quero voltar no tempo, filho. O meu olhar é para frente porque ali está você. O meu olhar é para mim, porque eu me vejo em você e cresço de novo. Aprendo com a sensação de quem ensina.

Eu agora observo ônibus nas ruas. Se são azuis, verdes ou vermelhos. Se são amarelos, grandes ou pequenos. E me permito definir coisas primárias. Aquele é um caminhão branco, aquele é um ventilador, aquele não, é um lustre. A estrela brilha, a formiga anda, o gatinho mia e, ouve só, é um helicóptero voando. O avião também voa. E o bem-te-vi, que lindo. O mico, não. Vive lá no alto, mas desce pra comer banana da sua mão.

Parece que eu nunca tinha pensado nessas coisas. A borboleta também não se lembra que já foi lagarta. E voa.

Diante do sentido primeiro das coisas, daquele de que me perdi, conto histórias de objetos e já não temo suas razões cruas, seus sem sentidos e despoesias. Todo dia saio procurando para você um mundo com mais significado. E encontro.

O seu olhar não é de estranhamento. Por que o meu deveria ser? O seu olhar é de encantamento e acende o meu.

Luzinha é sempre de Natal. Não ouso discordar: que a vida seja Natal.

Sua fala é nota musical, gosto, re-pe-ti-ção. E em mim vou desenterrando histórias, artimanhas, saídas engraçadas. Invento, se for preciso. O tigre que come verduras, o leão que é educado, os amiguinhos inanimados que têm cada um o seu nome e, todos, merecem beijos e abraços de carinho. Principalmente os que têm pelos.

Não é mais o trânsito. São os ônibus vermelhos, amarelos, verdes, azuis. São as árvores, a estrela, o anjo, a lua, a florzinha, o ventilador, a nuvem, o menino. É o trânsito e o céu. O em volta, ao lado, todo. Não é mais repetição: é descoberta.

Às vezes me perco nas não-escolhas e me agarro a elas, atrasando o seu passo. Você volta e me pega pela mão. E no caminho tudo volta a ser novo.

A cada manhã você des-cobre os meus olhos. Tira deles o que me embaçava a vista e coloca no meu colo, mais uma vez, uma paisagem fresca.

Você vai completar dois anos, filho. E eu me sinto com muitos anos a menos.

Crisguerra

Cris Guerra

Postado em: 
02 de abril/2009