Imagem: enviada pela autora

Tenho 35 anos e me sinto perdida como uma criança de 10 anos.

Bem, não sei bem como começar, vou tentar narrar um pouco sobre mim. Comecei a namorar meu marido exatamente na minha festa de 15 anos. Um homem maravilhoso que me ama até hj e me trata como uma rainha. Engravidei e casei aos 18 anos. Se não tivesse engravidado, me casaria anos depois mas com ele mesmo. Meu pai foi contra o namoro, casamento e até queria me obrigar a abortar, mas escondi o quanto pude a gravidez pra ele não me obrigar a fazer isso. Sempre foi bom pai. Me criou pra ser independente de homem talvez por isso a raiva do meu casamento. Quando viu que não ia me separar do meu namorado passou a me ignorar dentro de casa. Eu que sempre tive a atenção dele fiquei mal. Me casei e fui morar num casebre, sem porta, luz, água. Sofri muito pois estava grávida.

Depois que minha filha nasceu, entrei em depressão, mas ninguém nunca percebeu. Não saia de casa e passava dias no quarto. Só levantava pra cuidar da minha filha. Se pudesse passava o dia dormindo. Sempre tive depressão, desde meus 12 anos e nunca tratei. Apesar disso tirava excelentes notas, era uma filha exemplar. Sempre quieta. Minha mãe até hoje diz isso, como nunca dei trabalho. Nunca respondi. Pena que eles não perceberam que uma malcriação, ou responder aos pais faz parte da vida de um adolescente. Que viver amuado sim era uma doença. Fui piorando e o resultado foram uma ganho de peso absurdo. De 64kg, cheguei a pesar 140kg.

Tudo ia mal. Meu marido sempre foi autônomo e passamos muitas dificuldade. Eu me fechei pro mundo. Meu marido sempre otimista achando que ia melhorar. Depois de 6 anos engravidei novamente e tive outra filha. Nunca trabalhei de carteira assinada. Meu pai me chamou pra trabalhar com ele e me pagava menos que meio salario mínimo, mas como precisava, aceitei. Me sentia humilhada. Um dia uma amiga veio me visitar e quando ela me perguntou: como você está? Foi o suficiente pra eu, sem responder, começar a chorar. Falei pra ela que me sentia gorda, inútil, deprimida, sozinha, e queria morrer. A obesidade tinha acabado comigo. Na mesma hora ela começou a ligar pra corretores de plano de saúde. Dias depois ela me enviou a carteirinha de um plano que fez pra mim. Ela pagava 1 parte, conversou com meu pai pra ele pagar outra e eu pagava a terceira parte. Foi assim atá uns 6 meses, depois, com muito esforço consegui pagar sozinha.

Resumindo... Fiz a cirurgia e hoje peso 78kg. Mas a cirurgia não resolveu tudo. Foram anos obesa que me fez perder todos os amigos, parar de estudar. Hoje trabalho com meu marido, temos uma fábrica. Até gosto de trabalhar com ele, mas estou perdida. Ele diz que a fábrica é minha também, mas não leva em conta nada que oriento. Nunca trabalhei e não tenho experiência. Então não sei como lidar com as coisas. Estamos muito endividados. Temos 10 funcionários que não nos respeitam fazem o que querem. As dívidas só aumentam. Mas ele, meu marido, diz que é só uma fase. Saio de casa pra trabalhar com ele, e volto com ele. Tudo ele quer fazer comigo. Se eu entrar numa academia ele entra também junto. Quando falo que vou pra faculdade, ele fala que vai também.

Ele é muito apegado. Não passa um dia sem tomar café, almoçar e jantar comigo. Estou desesperada, sufocada e não adianta conversar com ele. Não é ciúme, é grude mesmo. Sei que não é ciúme porque ele nunca sentiu ciúme de mim. Podia falar, conversar com outros homens porque - chegava dar raiva - que nem mesmo saber o porque de eu estar conversando com outro cara ele queria saber. Hoje não estou satisfeita no trabalho. Não tenho amigos nenhum. Fomos nos fechando pro mundo e ficamos sozinhos. Gosto de dançar, sair, passear. Mas queria sair com amigo, não só com ele. Mas nem sei onde ir e também tenho vergonha.

Continuo me sentindo inútil. Não tenho profissão, independência financeira. Tenho medo de tudo até de aprender dirigir. Preciso entrar na academia e não consigo, por medo, vergonha. Tenho vergonha do que me tornei. Acho que só fui uma boa mãe. Tenho uma filha de quase 18 e uma de 12 anos. Não sei se faço um curso. Ao mesmo tempo que quero parar de trabalhar com ele, queria continuar e ajudar ele se reerguer. Ele conseguiu com trabalho nos dá uma casa confortável, carro que ainda estamos pagando. Mas estamos no vermelho com banco, cartão, e não temos nada que podemos vender. Como ele diz, só o trabalho pode nos ajudar. Mas eu não consigo viver com tantas cobranças, telefonemas o tempo todo. Hoje estou em casa e ele foi trabalhar. Como trabalhamos juntos parece que esfriamos um pouco apesar do amor. Estou completamente perdida, sem saber o que fazer pra mudar. Pode parecer bobagem, mas 18 anos trancada, sem amigos, sem trabalhar, sem vida social.

Para terem uma ideia, nunca ia em festas, sempre mandava meu marido com minhas filhas. Até que aos poucos ele também parou de ir. Hoje somos sozinhos. Minha casa é grande mas os maiores frequentadores são as amiguinhas da minha filha de 12 anos. A de 18 está namorando e se afastou um pouco, natural. Tudo que faço é com meu marido. Pra terem uma ideia, nem comprei presente de dia de namorado. Ele mesmo falou pra gente ir pro shopping e lá se separar e cada um comprar pro outro, achei ridículo. Quando vou na casa da minha mãe ele senta pra conversar com meu pai e eu quero andar pela casa pra conversar com minha mãe e irmã. Se eu não sentar do lado dele, 5 minutos depois ele está do meu lado. Quer me proteger de tudo. Um ano atrás saí pra me encontrar com outras meninas que reduziram o estomago e como ele não conseguir falar no rádio comigo, ligou pros meus pais dizendo que eu devia ter sido assaltada, porque não tava acostumada a sair de trem, que fui com um relógio caro que ele me deu. Que eu era ingenua. Minutos depois eu recebia ligação de mãe, pai, irmã...

Se ele souber onde estou ele vai atrás. Eu me sinto como uma criança. E pior é que como sou calma todos me tratam como otária. Ele não manda em mim, mas não me sinto livre. Não sei gritar, dizer não. Não sei lidar com situações difíceis. Fico paralisada com problemas, não sou normal. Não sei o que fazer. Queria ter vida social, sabe. Mas trabalho trancada num escritório sozinha, não há como fazer amizades. Só tenho 1 amiga, mas quase não podemos nos ver. Meu marido não tem família. É só ele e a mãe. Pra piorar a situação ela teve AVC há 5 anos e mora com a gente. Não anda, e precisa da gente pra tudo. Ainda está com Alzheimer, e não reconhece ninguém. Passa o dia gritando. Vivo com medo dos vizinhos chamarem a polícia de tanto que ela grita. Pago 2 pessoas pra tomarem conta dela. Uma por semana e outra só no fim de semana pra dormir com ela. Mas ela grita tanto que pra dormir nunca para ninguém.. Quando chegamos em casa a noite e ela está gritando, meu marido fica nervoso. Senta no piano e começa a tocar. Quanto mais alto ela grita, mais alto ele toca. Pra mim é um inferno. Os médicos disseram que não há o que fazer, que são surtos psicóticos. Ela nunca tratou meu marido bem, por isso sinto mais raiva. Trato ela bem, os médicos até pensavam que ela era minha mãe. Mas quando lembro de tudo que ela fez com ele e eu vi. E o que não vi soube. Colocou ele num colégio interno e passava 3 meses sem ver ele. De lá ele saiu gago de tanto que apanhou. Ela não deixou ele ficar com o pai pra colocar no internato. E o pai, um imprestável, que nunca ajudou o filho. Não sei como ele não virou um marginal. As vezes acho que esse é o motivo de tanto apego a mim.