Carla Abbondanza

Minha mãe é uma senhora de 77 anos já cansada e confusa. Ela confunde passado e presente, mas não perdeu a ternura nem a vontade de agradar, de mostrar amor através de ações. Dia desses, querendo me fazer um agrado, ela me trouxe toda sorridente um copo de leite com achocolatado e gemada dizendo “você sempre gostou disso”. Ela estava quase certa. Eu gostava daquilo. Atentemos para o tempo verbal: gostava – pretérito imperfeito – não gosto mais. Claro que eu não quis decepcioná-la, então sorri, agradeci, e até dei um golinho antes de por o copo de lado.

Mas esse episódio me fez pensar em todas as coisas que eu deixei de gostar e também naquelas que passei a gostar. Eu realmente adorava leite com chocolate e gemada. Tomava todos os dias e várias vezes ao dia (sim, cresci fortinha... rs). Mas hoje me sinto enjoada só com o cheiro. Eu também adorava fazer tapeçaria. Passava horas a fio com minhas telas e linhas. De repente, minha paciência se foi, meu interesse também. E tantas outras coisas que me davam um prazer indescritível, de repente tornaram-se chatas, irritantes, cansativas e mesmo incômodas.

Havia também  coisas que eu não gostava. Eu tinha verdadeiro pavor a roupas vermelhas. Achava-as vulgares, chamativas demais, tinha horror mesmo. Passaram-se os anos e hoje meu  guarda-roupas rivaliza com a bandeira da China; vermelho pra todo lado. Blusas, saias, vestidos, sapatos, bolsas... vermelho virou minha cor favorita. Eu detestava cerveja e preferia “drinks” adocicados. Hoje sou praticamente uma expert em cervejas. Adoro! E fujo de bebidas doces mais do que o diabo foge da cruz.

Tudo isso só me serviu para corroborar o que eu já sabia há muito tempo: tudo muda, inclusive nós. Tendemos a nos acreditar constantes, impassíveis e inalterados. Mas essa é uma grande ilusão. Somos fluidos, nos curvamos ao vento, nadamos a favor da corrente. E ainda bem que somos assim, senão a evolução seria impossível. Se não nos permitíssemos mudar de idéia, de gostos ou de interesses, ficaríamos estanques, parados no tempo e espaço, completamente alienados de nós mesmos. Não nos daríamos a chance do auto-conhecimento, da auto-realização e muito menos a chance de sermos felizes.

Tudo muda. As pessoas mudam. Não somos hoje as mesmas pessoas que éramos ontem, porque de lá para cá, já conversamos mais, já pensamos mais, já conhecemos coisas que não conhecíamos e aprendemos coisas que não sabíamos. Já tivemos novos pensamentos e revimos antigos. Já mudamos o cabelo, a cor das unhas, compramos uma roupa diferente. Tudo isso e muito mais nos faz mudar a cada minuto.

É preciso absorver a mudança. Muitas vezes é preciso promover a mudança. Mas, antes de mais nada, é preciso aceitar a mudança. A nossa e a dos outros. Aceitar que hoje é diferente de ontem e amanhã será diferente de hoje. Aceitar e lidar com a mudança das pessoas à nossa volta, pois elas também devem lidar com a nossa mudança. É preciso estar atento à mudança, sempre, e conviver pacificamente com ela. Sem imposições, sem cobranças, sem lamentações. A mudança é boa. É nossa chance diária de fazer algo novo, de encontrar novos caminhos, de ser feliz de várias maneiras. O que mudou para você hoje?

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