Bom, terça feira eu fui assistir ao filme Tropa de Elite 2. O filme é sensacional, inegavelmente, muito melhor, e muito diferente, do primeiro. Porque no primeiro, tudo é preto e branco. De um lado está o BOPE, a polícia, que mesmo de forma às vezes brutal(\"bota na conta do Papa\"), coíbe o tráfico. De outro, os bandidos, os traficantes.

Neste filme, tudo é cinza. O BOPE deixa de ser a polícia, para se tornar um instrumento nas mãos de um sistema corrupto. E os traficantes deixam de ser os bandidões para se tornarem a raia miúda, os bodes expiatórios.

Mas não vou entrar neste mérito. Quando voltava para casa, depois de assistir o filme, me lembrei de uma novela, DUAS CARAS, que passou no horário das nove. Novela esta escrita por um arqui conservador de Direita, Aguinaldo Silva, que usava os velhos clichês do debate político deste viés: simplista, grosseiro. Exemplo: os alunos que exigiam melhores condições de ensino na Universidade eram mostrados como comunistóides baderneiros e recalcados. O líder deles, advindo de uma família abastada, escondia seu carro conversível de seus colegas. Ou seja, o velho clichê conservador de que para ser de esquerda, tem que ser pobre. Uma pessoa nascida em uma elite privilegiada de um país marcado pela injustiça social tem que ser, obrigatoriamente, conivente com esta injustiça. Para ser de esquerda, ao que parece, tem que fazer voto de pobreza.

Em determinado momento, uma das peruas da alta sociedade da novela reclama da inclusão social(que levou um negro à mesa de jantar delas), dizendo ser isto \"culpa do Fernando Henrique\". Ou seja, FHC seria, segundo o autor, o responsável pela inclusão social dos pobres(aquela tão desejada, da boca para fora, pela nossa elite econômica), mostrada como uma coisa boa, porque é preciso convencer os pobres que FHC pensava neles.

Mas eu quero me prender a um personagem específico desta novela: Juvenal Antena. Juvenal Antena não trabalha. Controla, com mão de ferro, a vida na favela da Portelinha. Tem, em seu apoio, um grupo de capangas que, muito bem armados, \"mantém a ordem\" na favela. Por manter a ordem, leia-se, impor sua prórpia lei na favela, inclusive, matando aqueles que ele considera um estorvo(bandidos, drogados, etc). Ah, claro, do que vive Juvenal Antena? De cobrar propina dos cidadãos e comerciantes que vivem na Favela da Portelinha.

Mas aí, você se pergunta: Juvenal Anterna é o vilão? Não, Juvenal Antena é o HERÓI desta novela, o mocinho, o bam bam bam. O vilão é o empresário trambiqueiro Marconi Ferraço, inimigo mortal de Juvenal Antena.

Eu pergunto, a quem viu Tropa de Elite 2, ou quem já havia lido sobre as milícias que ocuparam o lugar do tráfico nos morros do RJ, o que é Juvenal Antena? Juvenal Antena é o chefe de uma milícia. Sim, a mesma milícia que perpetra a corrupçao e é mantida pelo mesmo sistema podre que se usa dela para se perpetuar no poder. Juvenal Antena, o mocinho da novela das nove, é um chefe de milícia. A ponta mais baixa de um sistema que se alimenta da miséria para institucionalizar a corrupção.

E Juvenal Antena é glorificado por um arqui reacionário de direita, certamente eleitor de José Serra. Alguém pode se surpreender? Não, qualquer pessoa que entenda que este sistema não foi criado no Governo Lula, que já existia, décadas antes, de Lula chegar ao Poder, não se surpreende. Porque um eleitor convicto de Serra é um eleitor convicto de um sistema que estruturou um país riquíssimo que chafurda na miséria de seu povo. Povo este deixado de fora da distribuição da riqueza gerada por seu próprio trabalho.

Em 2007, 2008, antes do advento de Tropa de Elite 2, a maioria das pessoas talvez desconhecesse a profundidade e a gravidade do problema representado pelas milícias. Acho que, se pudesse voltar atrás, a Globo talvez nunca tivesse exibido esta novela. Acho que não é para menos que o fascista Aguinaldo Silva não fez mais novela nenhuma na emissora, e só recebe alguma atenção da mídia quando fala mal de alguma celebridade em evidência. Porque a verdade é que ele é como o cara que sai pelado no corredor do prédio para pegar o jornal e a porta bate atrás dele. Só que junto com ele estava boa parte da elite brasileira. Inclusive a emissora que o emprega.