Crônicas do cotidiano - Flores do deserto

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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Grandes, pequenas, coloridas, perfumadas. Cada flor possui uma característica que lhe é própria. Podem ser de plantas rasteiras, arbustos, trepadeiras ou até de imensas árvores. Atraem diversos animais e, como não poderia ser diferente, a cada um de nós. Dentre todas, a flor do deserto se destaca.


Noite quente em Sorocaba. Esquina da Washington Luís com a Comitre. Uma leve brisa no ar. Muitas pessoas circulam pelas ruas. Diversas crianças aproveitam o sinal fechado para pedir um pouco de dinheiro, cena esta bastante comum em diversos lugares das grandes cidades. Comida, refrigerante, roupas e tênis usados. Suas necessidades imediatas são bem simples. Por trás desta simplicidade existem carências bem mais profundas: Amor, carinho, sorrisos. Qual de nós que não gosta disso? Todas aquelas crianças da esquina são nossas conhecidas. Moravam ali perto numa casa abandonada, hoje em reforma para mais um restaurante na cidade.


Paramos ali perto para conversar um pouco, saber das novidades. A conversa flui fácil, sorrisos se multiplicam. Meus filhos dão a eles uns brinquedos simples, feitos de hélices fixados em canudinhos. Assim que os giramos voam como pequenos helicópteros. Acho que todo mundo já brincou com isso. Creio que naquela noite deve ter sido o primeiro campeonato infanto-juvenil (com participação de marmanjões) para ver quem conseguia o vôo mais bonito, o mais alto, o mais longe. Cada um tinha sua técnica, seu jeito de rodar e soltar. Para uns era fácil e para outros nem tanto. Kelvin, em particular, tinha dificuldade de coordenar todos os movimentos ao mesmo tempo. Quando girava esquecia de soltar e quando soltava esquecia de girar. Todo mundo resolveu ajudá-lo, deixando de lado o seu próprio vôo para ajudar o do amigo.


Magia estava no ar. Não eram mais pedintes, pobres, mendigos. Eram apenas, e tão somente, crianças. Brincavam, se divertiam.


No meio do torvelinho de alegria reparo que os carros não tinham mais pressa de sair assim que o sinal verde abria. Olhavam, sorriam. Olhos marejados, sorrisos perdidos, bocas entreabertas, coração querendo sair do peito. Eram crianças como eles. Naquele instante nosso mundo se reduziu às pequenas hélices que giravam, levando consigo esperanças de um futuro melhor.


Kelvin finalmente pegou o jeito. Cada lançamento era uma conquista, cada aterrisagem uma vitória. Num destes vôos, seu pequeno e mágico helicóptero caiu em cima de um dos carros que estavam parados. Kelvin o pegou e, meigo como sempre, alegremente o ofereceu ao motorista para que também brincasse, tanta era sua alegria. Não havia ali distinção de classe social nem etária. A partir deste gesto, diversas crianças passaram a oferecer um vôo para os carros que paravam no sinal. Os que estavam acompanhando a brincadeira participaram com prazer. Eram crianças maravilhadas com seus brinquedos, oferecendo-os juntamente com seus lindos coraçãozinhos a alguém que acabaram de ver. Somente a pureza de uma criança poderia ter realizado um gesto tão solidário, singelo e nobre.


Jardins bem cuidados costumam ter muitas flores. Variadas nas cores e aromas, atraem sorrisos e admiração. É comum a visita de beija-flores a estes jardins. Bem longe dali, desertos áridos só possuem plantas raquíticas, ressecadas, duras. Raramente chove e há sol e calor em excesso. Mas mesmo nestes lugares o milagre da vida está presente. No alto de cactos ressecados e espinhosos, lindas flores se abrem. Foram cultivadas tendo areia como terra, temperaturas escaldantes como adubo e raras gotas de orvalho da madrugada para sobreviverem. Miraculosamente embelezam o deserto onde um olhar mais apressado só veria sofrimento. Abelhas, pássaros levam suas sementes de esperança a lugares distantes. Todas flores são belas, mas as que nascem e crescem na adversidade são magnificamente lindas.


Rudolf Waller

Outubro de 2003


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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Anos atrás escrevi algumas crônicas com fatos reais que divulga o trabalho assistencial que fazemos aqui em Sorocaba. Com ela tentamos espalhar sementinhas de assistência aos quatro ventos da Internet. Quem sabe algumas brotam AÍ NA SUA CIDADE?


Aproveitando esta crônica, gostaria de pedir uma ajuda sua. Uma grande ajuda, por sinal, mesmo que seja uma vez por semana ou por mês. Afinal de contas uma boa semeadura se faz espalhando as sementes. Gostaria então de espalhar mais algumas por aí, se você me permite:


Não sei em qual cidade você mora, mas acho que aí deve ter uma creche, orfanato, asilo, hospital que deve estar precisando de um sorriso seu.


Também existem diversas instituições de caridade, igrejas, centros espíritas que precisam de gente para distribuir alimentos, roupas, amor.


Para não dizer das pessoas em semáforos que, mais do trocados, precisam de respeito, uma palavra amiga, um dedo de prosa, um sorriso.


E, principalmente, tratar as pessoas menos favorecidas financeiramente como iguais que são. Assim você vai perceber o quanto podemos aprender com eles. A partir deste momento, você não vai conseguir saber quem está ajudando a quem. É deste ponto em diante é que temos certeza que o que mais foi dado foi amor.


Agora tenho certeza que não será nenhum frutinho que brotará aí, mas sim um fruto raro de sabor exótico. Basta começar a regar. Você poderia nos dar esta grande ajuda?


Sucesso e que Deus lhe ilumine sempre.


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Nary
No PF desde: 20/08/2008

Adorei o texto... Muito bom, mesmoo Bj


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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Bom que você tenha gostado, Lessa :)


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precisofalar
No PF desde: 28/04/2008

Rudolf... Além da bela crônica, mais um exemplo de sua gentileza: o pedido de fraternidade... Olha, como seria bom se cada um \"plantasse uma smentinha do bem\"... em sua casa, rua, bairro, cidade...

Mas, tal qual aquele \"conto\" da devolução das estrelinhas ao mar, se cada um fizer um pouco, logo somos mutos...

Beijo no coração, e boa semana!


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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Obrigado pelas palavras gentis, PF :)


Tento seguir o conto das estrelas do mar. Muito profundo!


Que todos nós tenhamos uma ótima semana :)


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maya
No PF desde: 02/07/2008

Em tudo q vc escreve reflete a sensibilidade q vc tem.

Sentimento esse q, muitas vezes esquecemos e sufocamos, por toda as diversidades q perneiam nossas vidas.

Parabéns amigo, belo presente vc nos deu!

Boa semana...e bjo gr!


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dudy
No PF desde: 02/07/2008

... \"Naquele instante nosso mundo se reduziu às pequenas hélices que giravam, levando consigo esperanças de um futuro melhor\".


Também acredito nessa corrente do bem, existe um inquietação dentro de mim, parece que sempre poderia fazer mais... entrego balas, bolachinhas e sorrisos nas sinaleiras, levo doações e abraços a um asilo aqui perto, mas ainda há tanto por fazer... há tanto por amar...


Foi bom passar por aqui. Continue jogando palavras ao vento, elas tem poder! Acredito nisso! Parabéns! bjooo


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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Maya e borboletinha,


Obrigado pelas palavras, mas não as mereço. Sou apenas uma ferramenta (cega, por sinal) do grande artesão lá de cima.


Só peço a todos que levem alegrias e sorrisos por onde andarem. Tem muita gente esperando por isso.


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Fabíola
No PF desde: 05/02/2010

Lindo o texto Rudolf parabéns!


DinhaBA
No PF desde: 22/02/2009

Cada um fazendo seu tantinho... Dá um cadim bem grande...