Clara abriu os olhos de repente, estava escuro, e estranhamente frio. Ela piscou e virou-se na cama, desenrolando-se dos cobertores. A luz da lua se esgueirava pela janela entreaberta, assim como o vento gélido da noite. A garota franziu o cenho. Estava certa de que a trancara antes de dormir. O vento soprou mais forte e ela não pode conter uma careta de desagrado. ,Puxando as vestes leves para mais perto do corpo, se levantou, ignorando o chão frio contra seus pés descalços, e andou rapidamente até a janela. Antes de fechá-la, no entanto, espiou com rapidez o lado de fora.Sentiu algo roçar em sua pele, na altura dos ombros, um toque tão delicado que poderia muito bem ter sido apenas imaginado. Um sussuro suave se seguiu e, assustada, ela se virou rapidamente, o coração disparando contra o peito. Por um momento, a garota pode ver uma silhueta recortada contra a parede do quarto iluminado pela lua, mas então ela piscou e não havia mais nada. Luna fechou a janela com cuidado e voltou para a cama, seu sangue se agitando em suas veias. Não seja estúpida, disse para si mesma, se embrulhando nos cobertores mais uma vez. Sonolenta, ela afundou o rosto no travesseiro e suspirou uma última vez antes de mergulhar no sono.Teve sonhos estranhos. Não via nada além de um horizonte branco, mas ouvia o mesmo sussuro suave, o som de penas, de asas, batendo no ar fresco. As vezes ela quase reunia coragem suficiente para esticar as mãos e tocá-las, mas tinha medo, embora não soubesse exatamente o porquê.Talvez porque soubesse, lá no fundo, que aquilo não era exatamente um sonho. som ecoou mais próximo dessa vez e, antes que pudesse se conter, ela abriu os olhos. Ele estava ali, parado à sua frente, em pé ao lado da cama, tão imóvel quanto uma estátua. Luna ofegou e abriu a boca, mas nenhum ruído escapuliu de seus lábios. Ao invés disso, ela inspirou fundo e observou com cuidado as asas, de penas tão brancas que pareciam emitir luz própria, fechadas atrás de suas costas. A garota não se sentiu surpresa por vê-lo ali. Parecia algo certo, certo de um modo tão definitivo quanto a ideia de que colocar as mãos contra o fogo resultaria em queimaduras ou ainda como a certeza de que o sol sempre morreria ao final da tarde para nascer novamente, trazendo o novo dia consigo. Era natural, e por isso ela não tinha medo. Curiosa, ela observou seu rosto. Era diferente, anguloso, com um maxilar forte e olhos grandes, puxados, de um tom profundo de azul, emoldurados por cabelos tão louros que pareciam brancos à luz prateada. Os lábios estavam franzidos em um sorriso e, inconscientemente, ela sorriu em resposta, sentindo-se mais calma e tranquila. Você é meu anjo da guarda? Era apenas um pensamento, mas ele sorriu novamente e assentiu, como se pudesse ler as palavras não ditas apenas observando seu rosto. Ela piscou, confusa, e então estava ali, próximo a ela, as asas abertas tão grandes que suas pontas chegavam a tocar as paredes do quarto. A garota permaneceu em silêncio, admirada, e desviou o olhar para ele. O anjo não mais sorria, e sim a observava, quieto e austero, quase melancólico. Em um impulso, ela ergueu a mão, tocando a pele macia, mas fria, de seu rosto. Ele pareceu surpreso com o gesto e então ela se retraiu, constrangida, mas os lábios dele estavam mais uma vez franzidos em um sorriso. Ele se inclinou e tocou de leve seu rosto. Ela o observou, e ele fez o mesmo. Tinha a vaga sensação de irrealidade, e foi assim que soube que ele estava indo. Segurou com firmeza sua mão, em um gesto quase frenético. Não queria que ele se fosse. Não parecia certo.Vai voltar? Ele hesitou por um momento e então assentiu. Quando? Dessa vez o anjo apenas sorriu em resposta, os olhos quase negros. Inclinou-se em sua direção e ela fechou os olhos, sentindo o toque suave, quase imperceptível, contra seus lábios. Quando os abriu novamente, ele não estava mais lá. Ouviu apenas o sussuros de penas novamente e então o silêncio. Mas a garota sorriu e enrolou-se nos cobertores. A janela, ela percebeu, estava mais uma vez aberta.