A Pipoca que Somos - Rubem Alves

precisofalar
Postado em:
17/03/2010 - 17:34

Recebemos este texto de uma de nossas amigas e achamos tão legal que resolvemos dividi-lo com vocês.
Infelizmente não temos certeza da autoria do mesmo - reproduzimos como Rubem Alves conforme nos veio. Se for outro autor e alguém souber nos diga, por favor. Ou se for você, nos fale para que possamos dar o devido crédito.


A culinária me fascina. De vez em quando até me atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas. Por isso, tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Nunca imaginei que chegaria um dia em que pipocas iriam me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.
 
A pipoca é um milho mirrado e subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente, os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros, quebra-dentes, se transformavam em flores brancas e macias, que até as crianças podiam comer.

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica sempre do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa.

Só que elas não percebem. 

Na simbologia cristã, o milagre do milho de pipoca pode ser representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca.  É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.
 
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar, mas acho que o poder metafórico dos piruás é muito maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito de ser delas.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida, perde-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar milho a vida inteira. Não vão se transformar flor branca, macia. Não vão dar alegria para ninguém.

Terminando o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás, que não servem para nada.

Seu destino é o lixo.

 

Dudy

Preciso Falar

Postado em:
18 de março/2010