Casamento e felicidade - Moacyr Scliar

precisofalar
Postado em:
26/03/2009 - 15:41

Hoje, temos outro ilustre convidado no Preciso Falar, Moacyr Scliar.

Falar mal do casamento é um esporte antigo. Só não começou com Adão e Eva porque o primeiro homem e a primeira mulher não casaram (não havia o Plaza, naquela época, nem uma orquestra para tocar “New York, New York” depois da cerimônia), e também porque não tinham a quem se queixar;  mas podemos ter certeza de que ambos ruminavam queixas recíprocas. Ao longo dos séculos sucedem-se depreciativos pronunciamentos de figuras notáveis sobre o tema. Ovídio, poeta latino do primeiro século a.C.: “O principal dote que os consortes trazem para o casamento é a vontade de brigar.” Elizabeth I da Inglaterra, a “rainha virgem”: “Preferiria ser uma mendiga solteira do que uma rainha casada.” Benjamin Franklin, intelectual americano: “Abra bem os olhos antes de casar. Mantenha-os fechados depois.” Lord Byron, poeta inglês: “O casamento é como o vinho: com o tempo se transforma em vinagre.” Alexander Pope, também poeta inglês: “No namoro, sonha-se. Na cama de casal, acorda-se.”  Thornton Wilder, dramaturgo americano: “A melhor parte do casamento são as brigas. O resto é mais ou menos.” E olhem só como o poeta John Dryden imaginou o epitáfio de sua mulher:  “Aqui jaz minha esposa. Agora ela descansa em paz. Eu também.”

Apesar disso homens e mulheres continuaram casando. E não só uma vez: duas, três, quatro vezes. Separações nunca impediram novos casamentos o que é, segundo o escritor inglês  Samuel Johnson, uma vitória da esperança sobre a experiência. Talvez. Mas é  uma vitória consolidada pelo tempo e aceita, ainda que de forma relutantes,  até pelos críticos do casamento. Sócrates, casado com a feroz Xantipa, resumiu este posicionamento  num resignado conselho: “Casa. Se tua mulher for uma boa esposa, serás feliz. Se fôr má esposa, serás um filósofo.”

Esta frase, aliás, pode ser um ponto de partida para que a gente entenda como surgiu a má imagem do casamento. Deste, diz-nos Sócrates, nasce um homem feliz ou um filósofo. O filósofo escreverá livros, dará conferências – será ouvido, inclusive e principalmente quando falar mal do casamento. O homem feliz, não: ele desfrutará em silêncio da felicidade matrimonial. A mesma coisa acontece com as notícias nos jornais: tragédias e catástrofes ganham manchetes, o cotidiano feliz das pessoas, não..

Dentre os testemunhos silenciosos há um que é particularmente comovedor: em casais que estão juntos há muito tempo, o homem e a mulher acabam por se tornarem parecidos. O que não é difícil de entender: são pessoas que riem ao mesmo tempo, que choram ao mesmo tempo, que ficam pensativas ao mesmo tempo, que ficam de cara amarrada ao mesmo tempo. Em ambos, os músculos da face funcionam de maneira sincrônica e isto, ao longo de décadas, faz com com que os rostos fiquem semelhantes. Pessoas que lidam com casais em conflito são treinadas para prestar atenção, nos encontros, às expressões faciais: quando estas são muito diferentes, no homem e na mulher, evidenciam um conflito que pode conduzir à separação.

No dia em que escrevi este texto passou por mim, na rua, um carro já antigo (mas muito bem conservado), um Chevrolet Kadett, em cujo vidro traseiro lia-se, em letras góticas: “Eu amo minha esposa”. Convenhamos, não são muitos os automóveis que fazem este anúncio (Os “Bebê a bordo” são mais numerosos). Mas de qualquer jeito a mensagem reconforta. Se existe alguém amando alguém, o mundo não está perdido. E se existe um marido amando a esposa, o casamento não está perdido.

Moacyr

Moacyr Scliar

Postado em: 
26 de março/2009