Methamorfo

Memorias de uma Methamorfose: Em busca da construção, desconstrução, reconstrução e destruição de pré-conceitos e preconceitos.


Tenho 32 anos e sofro de sindrome do transtorno bipolar, uma patologia psiquiatrica que não impede seu portador de trabalhar, estudar, constituir família... enfim, de ser um individuo "normal" (digo, de acordo com padrões comuns de comportamento). O normal entre aspas serve para suscitar uma discussão acerca do que, afinal de contas, é ser normal? O conceito de normalidade é relativo e todos os seres humanos são diferentes, ainda que apresentem um determinado padrão de comportamento comum. cada um tem uma maneira caracteristica sua de se mover e construir sua história na sociedade.

Importante o preâmbulo acima para dirimir pré- conceitos (assim mesmo!!!) acerca do mito criado em torno da doença psiquiátrica, embora tenha ficado satisfeita com a democracia e liberdade de expressão que permeia este site e esteja aqui contando uma história particular e. em muitos momentos, dolorosa . Pois é... desde criança tenho o transtorno bipolar, mas só fui diagnosticada por Psiquiatra aos 30 anos, qdo passei a cuidar de forma terapêutica dos sintomas associados à patologia. Sei que sou assim desde criança pq o padrão se repete até hoje: fases de euforia, de querer "agarrar o mundo com as pernas" (e conseguir produzir muuuuito), seguidas de fases de profunda depressão, de não-fazer, de ostracismo total, em que me recolho e me afasto de todos, ferida, magoada, tolhida e insatisfeita por estar viva e improdutiva. É uma doença interessante para quem busca o autoconhecimento, pois normalmente o bipolar se caracteriza por ser extremamente inteligente, mas de modo geral, ao longo da trajetória de vida, mostra-se pouco eficaz, pq só produz na fase de euforia.

Quando a doença fica sob controle médico-terapêutico (Psiquiatra, Pasicólogo, Nutri, Cardio, equipe multidisciplinar de preferência), o portador tem uma vida absolutamente próspera, porque o bipolar é empreendedor nato, quer construir, desconstruir, reformar, inovar, mudar o mundo; muitos se destacam nas artes, na música e afins pq são criativos... Sabe, para desconstruir o mito da doença psiquiatrica eu demorei quase 30 anos, me sentia uma estranha, não compreeendia, tampouco minha família. Hoje sou formada, professora de Português, tenho dois empregos públicos, uma filha linda e que aparentemente não "herdou" minhas caracteristicas patológicas (a herediatariedade/genética é comum nestes casos), trabalho com informática, meu verdadeiro prazer, e pretendo cursar agora faculdade de Engenharia da Computação, que é uma das aspirações "roubadas" pelo transtorno, pois poderia ter feito logo a pós a 1ª formação, mas muitos fatores contribuíram e não quero externar arrependimento , pq a culpa é um estado de alma que consome as energias e não acrescenta em nada... Só descobri com muita terapia, autoterapia.

Mesmo com todos os problemas que o transtorno me causou, jamais posso culpar-me de algum não-fazer, pois lutei muito ao longo da vida e amealhei vitórias das quais não posso reclamar. Faltam cumprir projetos de vida? Claro que sim, assim como à maioria. Não sou melhor ou pior que um "normal", sou diferente, sou portadora de uma doençazinha chata, mas que aprendi a não mais deixar que me atrapalhasse. Luto contra ela diariamente, e cuido de meu marido, de minha filha, de meu trabalho, curto os meus grandes prazeres que envolvem o uso da informática (Banco de Dados, aaaaaamo!!!, Excel, internet, blog, escrever em meu diário digital, escrever pra vocês, conhecer esses sites democráticos...), luto diariamente contra a balança, pois sou bom garfo (por isso a Nutricionista é indispensável em minha vida!) e sigo a vida, bipolar, eufórica, depressiva, feliz, rabugenta (como meu marido às vezes desfere), mãe presente, esposa mais ou menos (preciso melhorar...)...

Compuz este depoimento para desmistificar a doença psiquiátrica. Não as tem quem é louco. Não é preciso fugir ou ter pena do portador. Não mata, não aleija. Não acuso ninguém de pensar assim não, viu? Fiquem tranquilos! É apenas mais uma maneira de também me convencer disso diariamente para que não sofra de culpa, autopiedade, para que eu possa cada vez me conhecer mais, para que receba as impressões de quem irá ler e comentar meu relato, para dividir com o máximo possível de pessoas meus acertos e desacertos na vida, me identificar com algumas, discordar de outras. Socializar-me... Tudo isso faz parte de uma terapia que preciso entender que em minha vida é para sempre, se quero ter qualidade de vida. Sou tão diferente de qualquer um outro ser humano, e ao mesmo tempo tão igual... É um prazer dividir. Será um prazer ter podido contribuir para que alguém(ns) (rs) passe a se perceber melhor depois de meu relato, pq tem muuuuuita gente que sofre de transtornos psiquiátricos e não aceita, não reconhece para si mesmo, não expõe para não se expor, por vergonha, medo de parecer inferior, ser rejeitado.... E outros medos que, infelizmente o impedem de ser pleno, de ser feliz. Experiência própria. 30 anos, e eu ainda cantava "...Não vou me adaptar.......". Pois bem, adaptei-me, e a luta continua, companheiros... Um forte abraço!!!

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