Eu e Meu Silêncio - Parte I

Imagem enviada pela autora.

1984. Acredito eu ser uma das piores épocas da minha vida.  O que lembro da minha infância? Enquanto toda criança normal brinca com seus amiguinhos, eu não brincava, porque na verdade nem amiguinhos eu tinha, a minha vida de criança era muito privada, o meu pai era muito rigoroso com a gente, nem brinquedo me lembro de ter ganhado do meu pai, tinha sim uma coisa que odiava fazer, que era tirar fotos, sempre tive na mente que foto você tira pra guardar boas lembranças, e meu pai brigava todas as vezes que ia tirar foto porque eu não sorria, sempre ficava séria, porque eu iria sorrir se não tinha motivos pra isso, não, eu não conseguia ser hipócrita, eu mal conseguia ficar em casa sempre que eu podia fugia pra casa da Dona Helena, porque ela fazia uma comida gostosa no fogão a lenha, adorava a companhia dela, sempre foi pra mim uma segunda mãe, ela me ajudou muito quando mais precisei mais essa história fica pra depois.

Eu me lembro de algumas coisas, mas me lembro, talvez, o suficiente pra continuar a viver a minha vida. Me  lembro de tudo de ruim, engraçado, não me lembro de nada de bom, porque  será? Será que é porque não tive na verdade momentos bons na minha vida? Será que me lembro de coisas ruins porque só vivi coisas ruins? Não sei , só sei que quem sabe bem sou eu.

O homem que me colocou no mundo, é outro que não me suporta, porque talvez eu não fui o que ele esperava o que eu fosse, na verdade ele queria que fosse a sua mulher, coisa que ele não era capaz de arrumar como homem, e quando bebia não me via como filha e sim como um objeto sexual, meu pai me obrigava a tomar banho com ele todas as vezes que bebia, mais isso sim eu quero apagar da minha vida, mas quem vai me ouvir, a não ser os meus malditos pensamentos, quem vai me ouvir se não tenho amigos ou alguém pra contar os meus problemas, e quem também se interessa pelos problemas dos outros? Na verdade ninguém quer se meter aonde não é chamado.

Me lembro de uma certa vez, de minha mãe chorando no fundo do quintal e eu e meu irmão Henrique, trancados no quarto, porque toda vez que meu pai e minha mãe brigavam, ele trancava nós no quarto. Nunca presenciei nenhuma violência do tipo que ele batesse nela ou coisa assim, mais já presenciei sim, a forma que ele tratava, tipo com muita ignorância, a ponto dele jogar todos os movéis que ele conseguia no chão. A minha mãe tinha um dom próprio que era fazer seu crochê e tricô, na  verdade ela já sabia a pessoa que tinha do lado tipo, uma pessoa totalmente fora do normal e incapaz de fazer uma pessoa como a minha mãe feliz, um homem que dava valor a bebida somente, uma pessoa que só pensava nele o tempo todo, nunca se importou com nada, e se hoje  tem uma profissão foi porque teve um pouco de juízo na cabeça, pra sustentar o seu próprio vício.

Me lembro de uma certa vez que meu pai chegou bêbado em casa e começou a brigar com minha mãe, começou a fazer a tal festinha dele, só que dessa vez ele foi um pouco longe demais, jogou toda a comida do dia no chão, tudo o que foi preparado para comermos naquele suposto dia ele destruiu; e pra variar a minha avó chegou naquela mesma hora e sem saber de absolutamente de nada foi julgando a minha mãe, chamando-a de ‘’PORCA’’, essas palavras entraram na minha mente de uma maneira que nunca mais saíram e carrego comigo e ninguém é capaz de tirar.

Uma certa vez, me lembro, que meu pai se trancou no quarto com minha mãe e pediu que eu e meu irmão fôssemos para o parquinho e, acredito eu, não quero falar demais, mas tenho quase certeza que ela foi abusada ali, naquele momento por aquele monstro, que cujo DEUS escolheu pra ser meu pai.

Me lembro de minha mãe sendo sempre carinhosa, ajudando o meu pai no que ela podia e meu pai sempre sendo o ignorante da história; sei  de uma história que vou mencionar aqui, carrego comigo uma pequena dúvida a respeito de meu nascimento, sei que minha mãe quando ainda era de menor, foi estrupada e na mesma época estava namorando meu pai, bom, ela apareceu grávida e até hoje eu tenho as minhas dúvida se sou filha daquele que mal me criou ou se sou filha do homem que a estrupou... ’’Fica ai a dúvida’’.

Me lembro que minha mãe andava muito mal de saúde, íamos com ela no médico, porque ela sentia muito falta de ar e fortes dores no peito, ela também tinha epilepsia, onde ela teve uma crise e caiu no banheiro batendo a cabeça no vaso sanitário fazendo um corte profundo na região da testa, ela também tinha um problema que toda vez que se aborrecia aparecia em seu corpo manchas roxas e pretas, inclusive eu herdei isso da minha mãe, se me aborreço, no outro dia já está lá a famosa mancha.

Uma vez a noite ela passou muito mal, acordei e fui até o banheiro onde ela se encontrava de joelhos com a cabeça em direção ao vaso, e vomitava muito e verde, fiquei olhando pra ela e perguntei se ela tava passando mal e ela disse que eu fosse dormir porque na verdade ela não tava querendo que eu á visse daquele jeito eenquanto isso o meu pai dormia como um anjo, pra não dizer ao contrário. No dia seguinte a minha mãe arrumou eu e meu irmão com as melhores roupas que tínhamos e disse para nós que iríamos primeiro no médico com ela e na volta ficaríamos na escola, enquanto isso tomamos um café até a chegada do meu pai, que pra completar tudo terminou de estragar o nosso dia ou melhor o dela. Meu pai vendo nós todos arrumados, perguntou com uma forte ironia se íamos sair e minha mãe com suas fortes dores no peito respondeu que ela e nós iríamos ao médico porque ela não estava se sentindo muito bem e ele com muita raiva respondeu que ela e ninguém ia sair porque o que ela sentia era “frescura”, assim a minha mãe com todo respeito que tinha com meu pai, assim fez, não foi ao médico; tentei me levantar ao mesmo tempo para tirar a minha roupa e com olhar triste a minha mãe disse que eu e meu irmão podia ficar do mesmo jeito que estávamos, porque íamos pra escola com aquela roupa mesmo, que não tinha problema nenhum.

Quando foi por volta do meio-dia, minha mãe se preparou para levarmos na escola e chegando perto da escolinha, minha mãe para e me faz três pedidos, ela se agacha e me faz o 1° pedido ‘’- Minha filha, quero que você faça aquilo que eu não tive oportunidade na vida de ter, estudar... Estude muito e se torne uma boa professora’’. Atenta ouvi calada e balancei a cabeça com sinal de positivo, afinal ainda era uma criança e jurava que estava apenas obedecendo a minha mãe.

Depois veio o 2° pedido, ’’- Cristina você daqui a pouco fica uma moça e quero que cuida do seu irmãozinho pra mim’’. Confesso que na hora não gostei muito da idéia, mais fazer o que? Enfim o último pedido: "- Minha filha promete pra mim que você vai arrumar um marido bom pra se casar’’. Finalizando os seus pedidos, notei que seus lábios estavam sem cor e perguntei dessa forma para ela, ’’- Mãe porque o seu (beiço) ta roxo?’’ e quando ela levantou a mão para tocar nos lábios também notei que as unhas dela estavam azuladas, então ela respondeu ’’- Não sei, agora pega na mão do seu irmão e vá pra escola que eu vou ficar olhando daqui, porque a mamãe não ta agüentando mais andar.’’ Mais uma vez ela se agachou e deu um beijo no meu rosto e bem baixinho falou ao meu ouvido.’’ADEUS''.

Quando eu e meu irmão chegamos na escola, acenamos para ela dando um breve tchau e ali a minha mãe se foi, andando mais alguns metros ela caiu no chão, vindo a óbito, ali a minha mãe morria com um ataque fulminante, morria ali aos 24 anos de idade dela, uma mulher nova com aparência de uma mulher velha, judiada e menosprezada por todos. Enquanto tudo isso acontecia, estávamos na escola e DEUS sabe de todas as coisas, nesse triste dia, na escola pra mim era o melhor dia, havia um campeonato de tabuada e o vencedor ganhava um caderno e uma lapiseira, que na época era daquelas com ponta de lápis, e eu estava louca pra ganhar uma daquelas e fui firme no campeonato, me lembro como hoje a minha sala de aula, o chão era de taco as paredes ainda sem pinturas, tudo muito simples,e estava chegando a hora do campeonato e eu bem ativa, afinal queria muito ganhar. Passado algumas horas e o campeonato... Resultado: GANHEI!!!!!!

Isso mesmo, estava muito feliz porque havia conseguido ganhar um caderno novo e uma lapiseira nova, não via a hora de contar pra minha mãe quando chegasse em casa, quando estava chegando perto da hora de ir, eu sabia mais ou menos o horário por conta da merenda, sempre que merendávamos logo em seguida era hora de irmos embora,só que nesse dia foi um pouco diferente,eu e meu irmão fomos embora antes da hora, me lembro que a Dona Cida a diretora da escola foi na minha sala de aula, chorando pedindo que eu arrumasse as minhas coisinhas que eu ia embora mais cedo, mostrei toda feliz pra Dona Cida o que eu tinha ganhado no campeonato de tabuada, ela sorriu meio sem jeito e me ajudou a colocar as minhas coisas dentro de um saco de arroz, sim porque eu não tinha condições nenhuma de ter uma mochila.Tudo pronto e quando saíamos para o pátio da escola e dei de cara com minha tia Natália e uma vizinha. Dona Onice, todaschorando muito e eu logo fui perguntando sobre a minha mãe, que não estava ali... E ninguém me respondia, entrei no carro da Dona Onice e fomos direto para a casa da minha tia. Chegando lá vi uma grande multidão que cercava a casa, muitas pessoas mesmo, parentes de meu pai e de minha mãe e outras que eu nem

conhecia, me colocaram sentada num muro e mais uma vez perguntei pela minha mãe, e ai veio a tão inesperada resposta... Minha tia me responde: ’’- A sua mãe tá com o papai do céu’’.

Continua...

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oi cristina. eu imagino o tamanho da sua dor, e me emocionei com a sua história. mas você pode ter certeza de que sua mãe te amou muito, e isso você vai levar pra sempre dentro do seu coração. apesar de ter vivido coisas pesadas, você teve o amor da sua mãe, que muitas pessoas não chegaram a ter. perder a mãe é perder o verdadeiro sentido de viver, mas deus te dará forças pra seguir em frente.


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Acredito que nada que eu escreva aqui vá diminuir sua dor. Mas de qualquer forma espero que Deus possa te confortar hoje e sempre, e mesmo com tanta cicatriz no seu coração você possa alcançar a felicidade. Te desejo tudo de melhor. Um grande e apertado abraço !


Chorando... ; ´´ (


Obrigada Yasmim pelo comentário.


Amiga,sinto muito pela sua dor.Perder um ser tão amado q é a nossa mãe é como perder uma parte do corpo:muito doloroso.Sei q sua história ainda tem uma segunda parte,mas saiba de uma coisa:lá do Céu,do lado de Deus,sua mãe está olhando e sorrindo pra você,te mostrando q sempre te amou e sempre vai te amar.Uma pena q ela tenha partido tão prematuramente,ainda na flor da idade e de modo tão triste,mas sem dúvida ela está ao seu lado,cuidando de você e te dando proteção por onde vai...Tenha força e mostre q mal nenhum pode te abater...


Infelizmente,ninguém sabe a dor que me causa até hj,tive que enfrentar a vida sozinha,aprender tudo sozinha,e aindo tenho muito que aprender,obrigada pelo comentário,valeu.Obrigada e um abraço!


Eu sinto, muito por vc mesmo...


É,já me disseram que minha vida,dá um livro,e sabe que penso seriamente em escrever um,passar para as pessoas as minhas experiências,não foi e não é nada fácil,ainda tenho muito o que contar,tenho revelações surpreendentes!Abraço.


É,já me disseram que minha vida,dá um livro,e sabe que penso seriamente em escrever um,passar para as pessoas as minhas experiências,não foi e não é nada fácil,ainda tenho muito o que contar,tenho revelações surpreendentes!Abraço.