Amor armado - O que falta nos homens que os leva a matar as companheiras?

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_Ana_
No PF desde: 19/09/2010

mais uma ótima coluna do Ivan Martins:

Aconteceu na manhã do domingo. Viviane batizava seu filho em companhia do namorado e da família. Ao final da cerimônia, o ex-marido dela levantou-se do fundo da igreja, caminhou até o casal e disparou contra eles. Viviane morreu na hora. Seu namorado morreu a caminho do hospital. O assassino fugiu, abrindo caminho à bala, e ainda está escondido por aí.


Essa história macabra aconteceu no domingo passado em Guarulhos, na Grande São Paulo, mas poderia ter sido em qualquer parte do país, a qualquer tempo.


Todos os anos, são mortas no Brasil quase 5700 mulheres. A média é de 472 assassinatos por mês. Os números são medonhos, mas não contam metade do drama. A vida de Viviane, que tinha 34 anos, simplesmente não cabe nessa estatística. Sua personalidade, seus sonhos, o futuro de seus dois filhos. Suas lembranças, seus medos, o momento em que as promessas de amor se transformaram em ameaças. Nada disso é mensurável e tudo foi destruído – como é destruído 5700 vezes ao ano, toda vez que um homem mata sua companheira no Brasil do século XXI.

Se você pedir a um sociólogo que explique esse massacre, ele talvez diga que os homens brasileiros estão perdendo poder. As mulheres se tornaram independentes e a violência masculina seria uma resposta a essa mudança indesejada. Colocados diante de parceiras que estudam mais do que eles, que ganham tanto quanto eles e que sentem-se donas do seu corpo e do seu destino (capazes de trocar de namorado ou de marido), os homens respondem com brutalidade. Xingam, agridem, matam.


Há um contexto cultural para a barbárie, claro. O Brasil é profundamente machista. Não é um psicopata com antecedentes clínicos que esgana a ex-namorada e vira manchete. Aqui, são centenas de mortes todos os meses, perpetradas por homens comuns, desses que andam de boné e camiseta nas ruas da cidade. Eles acham que a mulher pertence a eles, como um carro ou uma bicicleta. É uma posse que não tem direito autônomo de partir. Por isso, mais de 15 deles decidem todos os dias dar uma facada ou um tiro na mulher que não o quer mais. Esse número não cai há uma década.


Criaram-se leis para impedir a violência doméstica (como a Maria da Penha), as vítimas dão queixas na delegacia quando se sentem acuadas (Viviane fez dois boletins antes de ser morta), mas isso não detém os facínoras. Eles sentem que têm o direito de matar – uma convicção invisível que vem do berço, que é transmitida de pai para filho, que cresce nas conversas de rua e na mesa do bar. A mão do assassino é armada diariamente pela cultura que o cerca.


Mesmo assim, nem todos os homens abandonados ou contrariados agridem. Mesmo numa cultura machista, mesmo num contexto de perda de prestígio e de status social, a maioria absoluta dos homens lida com as desavenças domésticas e com as rupturas sem violência. Os assassinos e os agressores, embora sejam muitos, constituem uma ínfima minoria. Isso sugere que por trás dos desatinos homicidas existe escolha pessoal, e não apenas compulsão coletiva. A cultura brasileira talvez endosse subjetivamente a violência contra as mulheres, mas apenas uma minoria escolhe abraçá-la. Por quê?


Minha impressão é que existe um buraco nas almas masculinas. Cada um de nós tem dentro de si um ponto ao qual é possível se recolher em momentos de dor. Em muitos homens, esse lugar de recolhimento não existe. Exposto ao sofrimento, submetido ao desapontamento e a revezes emocionais, o sujeito não tem para onde correr no interior de si mesmo. Ele se vê diante de um vazio que impede o luto e a pacificação. Só há a raiva, o medo e a sensação insuportável de abandono. Como se fosse criança. A violência é a resposta primitiva a esses sentimentos intoleráveis. É o sintoma de uma espécie de doença.


Acho que na alma feminina esse buraco é mais raro, ou talvez seja menor.


De alguma forma, a cultura das mulheres, de mãe para filha, incentiva algum recolhimento e o convívio com os seus próprios sentimentos. Muitos dirão que é genético, eu creio que é ensinado. As mulheres aprendem lentamente a se conhecer melhor e a estar mais próximas dos seus sentimentos. São mais sinceras consigo mesmas, me parece. No mundo feminino, parece haver menos alienação emocional, algo que sobra entre os homens. Os rapazes - isso está documentado - têm enorme dificuldade em falar de si mesmo e dos seus sentimentos. Não se trata apenas de timidez ou indiferença. É desconhecimento. Eles não conseguem expressar o que sentem e tampouco dizer o que são. Eles simplesmente não sabem. Vivem voltados para fora. Gritam, lutam, correm atrás das garotas. Mas, dentro de si, carregam um turbilhão de emoções sem vozes. É um silêncio aterrador, que pode durar a vida inteira.

Há algo de trágico nisso. O vazio interior, a inabilidade de expressar sentimentos e a incapacidade de lidar com eles, tudo isso forma uma espécie de bomba relógio. As relações entre homens e mulheres provocam emoções intensas e potencialmente dolorosas. Precisam ser mediadas pela compreensão e pelas palavras. Quando essa mediação está ausente, fica-se à mercê de sentimentos primitivos, como o medo e a raiva. São eles que detonam a bomba da violência.


Obviamente nada disso é inevitável. No mundo inteiro os homens são homens, mas em muitas partes do planeta a epidemia de violência contra as mulheres foi eliminada. Isso tem a ver com as leis e com os costumes. Sobretudo, tem profunda ligação com a educação. Ela proporciona a melhor compreensão do mundo e de si mesmo. Ela dá voz aos sentimentos e permite que eles se articulem de forma civilizada. Ela empurra para o fundo de nós o instinto primitivo de violência. Depois de repetidas gerações de pessoas instruídas, criam-se dentro das sociedades tabus poderosos contra os abusos e o uso da força. Assim se suprime a epidemia de mortes de mulheres.


Sempre haverá facínoras e desequilibrados. De quando em quando, um homem transtornado de ciúme matará. Uma mulher enlouquecida pelo abandono matará. Um jovem sufocado em sentimentos terríveis tirará sua própria vida. Isso acontece desde o início dos tempos, em toda parte. É provável que jamais desapareça. Mas chegará um tempo, no Brasil, em que uma morte dessas causará espanto e debate. Será tão raro que as pessoas se debruçarão apiedadas sobre a tragédia. Comentarão sobre a misteriosa natureza humana, seus desvãos sem luz, seu terrível potencial para o incompreensível. Eu espero estar vivo para presenciar esse momento. Eu e milhares de mulheres que terão sido poupadas de uma morte absurda e obscena.

http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2014/02/bamorb-armado.html

é triste ver que esta educação machista ainda é repassada pelas mães... por mulheres....


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Nary
No PF desde: 20/08/2008

Ótimo texto...


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Gulherme
No PF desde: 13/05/2010

Não li o texto, mas houve um caso bem triste em São Paulo onde um pai agarrou o filho de seis anos e se jogou com ele do décimo e tanto andar, depois de agredir a mulher.


De deixar doente ler uma notícia dessas.


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Lótuss
No PF desde: 11/02/2014

Verdade. Chocante como a ira e a vingança podem levar um ser humano e se matar e matar um filho que criou e que ama, mesmo com a súplicas do menino ao pai que não fizesse. Chorei muito. E acredito(podem me chamar de supersticiosa, dramática, exagerada)...que neste tipo de acontecimento, não é a pessoa que esta ali, não é uma criação de Deus que esta ali....só pode, tamanha covardia, tamanha crueldade....o que explica?

Só pode ser o outro lado, o outro da maldade, da perversidade...

Dizem que quando alguém faz um ato de bondade é Deus que encosta nesta pessoa, e quando alguém faz um ato deste???


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Gulherme
No PF desde: 13/05/2010

O homem é o lobo do homem cara Lótus.


Petit Marie
No PF desde: 22/01/2014

Brilhante texto para reflexão. Impunidade. Falta educação desde o começo... Relacionamentos descartáveis...

Acho que estamos vivendo um caos em termos de relacionamentos humanos... É preocupante.


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Si Cal
No PF desde: 06/08/2010

Eu pessoalmente acho que é uma mistura de psicose com fatores externos... não sei exatamente como tudo ocorreu...


Por exemplo assisti esta semana o caso de uma advogada aqui de SP (Mercia Nacaxima) era este o nome... o ex namorado matou e jogou o carro com ela dentro de uma represa... agora ouvi a historia em um tal INVESTIGAÇÃO CRIMINAL...


O Sujeito já nao era um sujeito normal... meio confuso, ciumento, psicotico...


Ela por sua vez contribuiu para exacerbar a psicose... fiquei sabendo neste programa que mesmo após o termino ela ainda saia as vezes (quando convinha com ele) e depois humilhava, xingava, fala coisas ruins para ele... enfim... ela alimentou o odio a psicose que ja existia...


***NÃO TO JUSTIFICANDO (antes que digam isso)... to colocando fatos...


Todos somos psicoticos em grau menor/maior, o externo sempre atua para servir de gatilho... e muito louco e me da um medo tremendo... e fragil o conceito de "psicologicamente normal"... de fato acho que todos podem desencadear neuras e psicoses maiores, e acabar em merda... dificil...


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COALA
No PF desde: 16/12/2012

EU NÃO LI O TESTO MAS VI NA TV OS ABSURDOS QUE TEM ACONTECIDO NAS NOSSAS FAMÍLIAS. UMA COISA QUE EU VEJO É A IMPUNIDADE. COMO QUE PODE UM PAI SE MATAR E MATAR O FILHO... ? TEM NOTICIÁRIOS QUE É ATÉ DIFÍCIL DE ACREDITAR..


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Lótuss
No PF desde: 11/02/2014

Acredito que houve alguma falha na sociedade, na educação...não sei...Antigamente, quando havia aquela "era" machista não se viam tantos casos de violência....não sei se era porque a mídia não divulgava...Mas, como dizem, existem no mundo sete mulheres para cada homem. Porque então este sentimento de posse dos homens? Qual o fator que os fazem pensar e ter certeza que são "donos" da mulher q decidiram casar, noivar, etc....????


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Ro Samy
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No PF desde: 24/11/2012

Dia desses, la na UTI onde trabalho, me deparei com uma situação assim.

Fui alimentar a paciente (que era da escala do meu colega, mas como ele estava em intercorrência com outro, eu fui dar um apoio)... e comecei a conversar com a moça.

19 anos, uma filha de 9 meses. E tetraplégica por que o ex deu um tiro nela, que acertou a cervical. Mais uma vítima da irracionalidade, do orgulho inflamado, do machismo.

Ela me contou que havia se separado dele por conta da agressividade e do ciúme dele. Estava n acasa dos pais, sentada no sofá amamentando o bebê , quando ele invadiu a casa. Exigiu que ela fosse embora com ele. Diante da negativa dela, ele sacou o revólver, atirou e fugiu.

Eu fiquei tentando imaginar como aquela menina devia estar se sentindo ao ter sua vida devastada daquela forma....


Tivemos também (quem é de POA deve lembrar dessa história, devido a sua repercussão) a menina que foi agredida pelo namorado , que depois incendiou o apartamento, onde acabaram morrendo os dois filhos desta moça. Um bebê e uma menina de 2 anos.

Eu vejo essas histórias no meu trabalho com frequência, e vcs não fazem ideia de como é triste vc ver uma menina de 20 anos, deformada pelo fogo, destruida emocionalmente pela perda dos filhos, lutando contra infecções, passando por repetidas cirurgias... gente é triste demais.

Aí vc ainda ouve os comentários de pessoas condenando as vítimas! Culpando-as pela animosidade dos homens que elas amaram!

E eu fico pensando: alguma coisa está muito errada.


A mulher ainda é tratada como uma posse.

Ainda não tem direito de decidir se vai ou fica.


E os homens que cometem isso, são movidos pelo machismo, pela posse, pelo orgulho, por não saber ouvir um não.

Tristes histórias. E infelizmente em números assustadores.


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Baunilha23
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No PF desde: 07/05/2013

Acho tb q poderia ser um tipo transtorno de personalidade borderline.