O tempo passou e me formei em solidão

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Kidsilva
No PF desde: 20/04/2010

O tempo passou e me formei em solidão

(Por José Antônio Oliveira de Resende - Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei/MG)

Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido.

Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.

Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.

- Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre.

E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos. Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!

A conversa rolava solta na sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre.

Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora.

A nossa também era assim.

Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha - geralmente uma das filhas - e dizia:

- Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.

Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, leite, biscoitos... tudo sobre a mesa.

Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também.

Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga?

A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...

Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.

Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa.. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.

O tempo passou e me formei em solidão.

Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail... Cada um na sua e ninguém na de ninguém.

Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:

- Vamos marcar uma saída!... - ninguém quer entrar mais.

Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e ossibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.

Casas trancadas...

Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, do leite, da manteiga, dos biscoitos...

Que saudade do compadre e da comadre!


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Kátia.Aquiles
No PF desde: 09/12/2009

Antigamente (há uns 12 anos), lá na casa da minha vó se reunia muita, mas muita gente.

Hoje em dia, as visitas estão ficando cada vez mais escassas.

Íamos também aos aniversários dos primos tudo junto, um bando de gente, parecia a família Buscapé. Faz muito tempo que não vejo uma cena dessas.


Lá por 2000, quando eu era criança, eu, minha mãe e meu irmão íamos na casa da vó todo final-de-semana.

Atualmente, uma vez a cada dois meses e olhe lá.


Tá tudo corrido, não se tem tempo para nada, a passagem tá cara.

E nós cada vez mais individualistas, trancados.

É uma pena.


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John27
No PF desde: 14/07/2010

Há um tempo atrás fui visitar uma tia minha que mora em Brasilia - DF, chegando lá... percebi que as pessoas eram muito diferentes, apáticas, sem vidas, como se estivessem deprimidas ou melancólicas... ao contrário de outras regiões brasileiras por ai, aonde as pessoas recebem seus visitantes com alegria e uma simplisidade acolhedora..., mas enfim, em um belo dia no jornal local da cidade, reportaram uma seguinte materia: \"você conhece o seu vizinho?\" ao começar a ver a reportagem, eu comecei a percerber que tudo tinha haver! Pois nesta reportagem, mostraram vizinhos de apartamento que moravam há mais de 30 anos um do lado do outro, e detalhe, nem um sabia o nome do outro, tanto que só se conheciam pelo um OÍ que as vezes se falavam quando se encontravam no elevador e nada mais que isso, so fiquei mais perplexo foi quando a reporter os apresentou um ao outro... parecia até ficção, se não fosse verdade...

e isso aí, eles representavam um retrato de nos mesmos, estamos cheios de sí, de um modo tão egoísta que um dia chegaremos à esta mesma situação, em trancafiármos em nossos proprios casulos e vivermos sozinhos os nossos proprios egos... e não tão futuramente seremos robôs de nós mesmos! só basta-nos empenharmos mais para tal.


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Nary
No PF desde: 20/08/2008

Muito interessante, o texto Bj


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Relicário
Offline
No PF desde: 04/08/2010

Lendo a sua história passou em minha mente um breve filme da minha infância, era assim mesmo, famílias acolhedoras, e olha que tenho 29 anos, mas tive a oportunidade de viver momentos memoráveis. Lembro que tomavámos \"café\" muito cedo porque na casa onde morava, mesmo sendo na capital (Recife), ainda não possui energia, enchiamos a barriga, e minha mãe colocava um tapete enorme na frente da casa às escuras, para ficarmos todos olhando a lua, as estrelas tinham outro brilho..., sou de uma família de cinco irmãos e muitos primos, era menino que não acabava mais, todos se acotovelando para deitar e ficar olhando para o céu, mas não podia contar as estrelas, senão nasciam verrugas pelo corpo, como ninguém queria isso ninguém contava, mesmo querendo muito fazer isso, as brincadeiras eram outras, dependia de um número grande de criança, quanto mais melhor, barra bandeira, queimado, passarai, pega se esconder, as meninas brincavam de academia, pular elástico ou pular corda, os meninos de pião, pipa e jogar bola....

Hoje meus sobrinhos não sabem o que é uma infância de verdade, bricavamos até de comidinha, minha mãe se via doida com isso, porque pegavamos tudo dentro de casa que estava pronto para comer e dar para os outros, era uma farra...

Chego a conclusão que devemos ser gratos porque ainda temos do que lembrar pior é quem nunca fez isso...

Tem uma música que com certeza vc não conhece mas que me lembro como se estive cantando na minha infância vou escrever porque preciso marcar esse momento com algo doce da minha época de inocência, meu irmão cantava batendo no peito e nunca mais esqueci daqueles momentos.

Em tempo de menino, ainda tinha no peito muita saudade, roda pião estilingue no peito papagaio pra soltar, mamãe me acordava cedo menininho toma banho vai se aprontar, vou ficar te vigiando no caminho da escola vê se dá um jeito pra não se sujar, um dia com os meus amigos, uma chegada na lago não fazia mal, e bate bola no campinho, extravando no quintal, e tudo o que chegou primeiro, minha primeira namorada se perdeu de mim, e só ficou minha viola, meu cavaco, meu pandeiro e tamborim, que tempo bom, que tempo bom, que não volta nunca mais................Lembrar é pra quem tem memória, sentir é para quem tem coração.