Relações de Poder Na Família

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Caronte
No PF desde: 03/03/2010

Outro dia, conversando um pouco com a Belle no Feisbuc, coloquei pra ela que há algum tempo eu planejava este tópico,mas faltava um bom condutor. Discutimos um pouco a questão, ela me falou um pouco da visão dela da questão.


O fato é que todos nós sempre vemos a família como a base da sociedade, ou vemos a família de forma idealizada, como uma relação de amor e afeição. Mas a verdade é que as relações familiares são também relações de poder.


Existe uma premissa básica. Ninguém cede poder gratuitamente. Portanto, para rompermos com a lógica pai-filho de subordinação, é necessária uma revolução. Existe um momento da vida em que o filho ou filha precisa chegar a seus pais e estabelecer os limites. Até aqui, é do teu jeito, a partir daqui, é do meu. Isto não é fácil. E muitas vezes exige um sacrifício que as pessoas não estão dispostas a fazer.


Pais não aceitam a revolução assim, de bom grado. Alguns se fazem de vítimas, outros fazem chantagens emocionais. Alguns são mais pragmáticos, e usam sua condição financeira para seguirem comandando as ações: "enquanto morar sob o meu teto, obedece às minhas regras", quem já não ouviu esta expressão? Às vezes, as regras vão até um ponto, mas algumas invadem completamente a seara do pessoal, como em relação à sexualidade. Há pais que determinam que curso universitário o filho fará.


Anos atrás, em uma carta à revista IstoéDinheiro, em resposta a uma reportagem sobre os novos tempos, e de como muitos jovens buscam caminhos alternativos para realização profissional, como esportes, música, etc, um leitor escreveu, que jamais admitiria que um filho seu seguisse um caminho destes, mesmo que tivesse o talento de um Tiger Woods( o então jovem golfista ianque era citado como exemplo na reportagem). Ou seja, é o legítimo pai à antiga, aquele se atribui um direito próximo ao de vida e morte sobre os filhos.

Me recordei também de um fato relatado pela minha irmã, em seu primeiro estágio, anos atrás. Um de seus colegas de estágio recebeu aquele que era seu primeiro salário. Chegou radiante em casa, muito orgulhoso. Se pai lhe disse: “Pois bem, dê este dinheiro à sua mãe. Eu paguei tudo para você até agora, é chegada a hora de você me devolver o que eu gastei. Sempre que você receber, dê todo o dinheiro para sua mãe”.

Ora, seria muito fácil apontar o dedo e julgar como a mais pura mesquinhez a atitude deste pai. Mas ela é mais que isto. É a reafirmação do poder. O filho maior de idade chega em casa com o dinheiro que ganhou com seu próprio trabalho. Para evitar que este tenha idéias de liberdade e auto-determinação, o pai lhe tira o poder econômico, tornando-o, novamente, dependente da autorização paterna para tudo. Foi uma espécie de contra-revolução prévia.

É interessante observarmos que as táticas de dominação são diferentes para homens e mulheres. Exercer poder de forma repressora é mais útil com relação às mulheres do que aos homens. Porque bem ou mal, ainda existem aquelas regras antigas, a mulher tem que viver sob a autoridade paterna até se casar, quando passará a se submeter à autoridade do marido. Romper esta lógica não é fácil, porque, muitas vezes, a família, como um todo, concorda com esta postura, nem que seja por uma questão de conveniência. Romper com esta lógica de dominação exige da mulher muito mais força do que do homem.

A postura de repressão, em relação aos homens, dá menos resultado. Porque a verdade é que a sociedade não vê com estranheza a independência masculina, sua liberdade sexual, etc. Pais, especialmente mães, excessivamente repressores, até conseguem manter poder sobre filhos homens, mas estes precisam ser anormalmente fracos.

Em geral, um filho educado de forma autoritária e repressora, fará sua revolução, mais cedo, se a repressão for mera conveniência, ou mais tarde, se for convicção. Os custos familiares, neste segundo caso, são altos. Um filho assim, quando rompe os laços de autoridade familiar, pode romper também os afetivos. Ao passo que se a revolução for tolerada, e aceita como inevitável, por pais mais liberais, o vínculo de afeição se mantém.

A tática que mais funciona, com o homem, não é a força, é justamente o oposto. Quantos filhos são casados, tem seus próprios filhos, mas continuam com uma ridícula dependência da mamãe. Isto é fruto de uma tática diferente de dominação. A super mãe resolve todos os problemas do filho, lava sua roupa, faz sua comida, lava sua louça, etc. O boneco não precisa fazer nada. Seria sua forma de manter poder via afeição extremada. Estas mães, em geral, tomam todas as decisões na vida dos filhos, e eles o permitem por lhes ser conveniente. Quando percebem que este controle está sendo invasivo, normalmente a resistência é quebrada com a velha chantagem emocional.

A verdade é que nós ainda vivemos em uma sociedade que atribui um caráter semi-divino a pais e mães. Como se eles não fossem humanos, e fossem incapazes de errar. Em uma determinada edição do BBB, havia uma lésbica, que tinha uma relação quase inexistente com a mãe. Quando esta mãe foi a público, imediatamente amealhou a simpatia de muitas pessoas, em geral mulheres menos instruídas. “Mãe é perfeita. Nunca mente, nunca se engana”, eu vi escrito em uma carta de uma leitora, que criticava a participante do programa, ao blog que cobre o BBB, no ClicRBS.

Este caráter de divinização parental ainda é um empecilho, muitas vezes, à revolução pessoal. Mas a verdade é que esta revolução é necessária, sob pena de a pessoa nunca chegar a amadurecer por completo.


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Lêh.!
No PF desde: 07/09/2010

Excelente texto.)


Acho que pra tudo deve existir Bom Senso.


=D


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Moça!
No PF desde: 12/10/2010

Confesso que minha percepção dessas relações de poder na família era bem fraquinha até uns 5 anos atrás (quando já não era mais nenhuma adolescente). Até então só percebia essas manipulações quando elas ocorriam em função de dinheiro - como no clássico exemplo que citaste 'enquanto morar sob esse teto...'.

Mas minha percepção vem se refinando... e fico frustrada e triste em ver minha irmã passando por apuros por conta de uma depedencia emocional que minha própria mãe alimenta. De longe, como alguém que já superou isso, fica muito claro pra mim.

A distância vejo essas tramas sendo fiadas e sei onde vão terminar. Mas não chego a tentar mostrar nada disso pra minha irmã... Sei que, apesar de mais velha, ela não tem a maturidade pra ver/perceber isso, e de fato se apropriar da sua vida e suas escolhas. É o processo dela.


Há um ano atrás abri um tópico não exatamente sobre isso, mas tangencia...:

http://www.precisofalar.com.br/forum/familia/paimae-modelo


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Nary
No PF desde: 20/08/2008

Muito legal o texto


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_Ana_
No PF desde: 19/09/2010

não sou entendida no assunto , mas vou opinar... e desde já deixo claro que não é uma crítica à ninguém... é somente minha opinião>>>

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tive pais controladores e herdei esta característica.... :)

no momento que quis as coisas a minha maneira... fui atrás.... sai de casa... ficar batendo o pé e fazendo birrinha, porque papai e mamãe não fazem ou não me dão o que eu quero é infantilidade....

e logo em seguida minha relação com meu pai melhorou 70%... não havia cobranças e nem briga por território... éramos apenas pai e filha...

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concordo com um pocado de coisa , mas pergunto qual é a melhor maneira de impor limites aos adolescentes?

filhos não vem com manual de instruções, que ao seguir direitinho dará tudo certo.

a maioria das pessoas tem problemas emocionais e de relacionamentos, por que acham que com a educação dos filhos seria diferente? eles não são deuses, nem super heróis, são apenas pessoas.... que erram muito... e mesmo sem uma cartilha a seguir, também acertam muito...

uma das coisas que concordo, é que precisam parar de endeusar os pais, e principalmente não cobrar deles que tenham discernimento de um sábio somente porque geraram um filho... os pais apelam para o que lhe foi transmitido pelos seus pais...

sem contar que muitos são pais mesmo sem querer... por descuido, ou para se enquadrar no perfil exigido pela sociedade...

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neste domingo fui visitar uma amiga, que confesso raramente vou na casa dela justamente pelos filhos...

eles são insuportáveis... esta educação onde não existem limites e onde são mais amigos dos filhos e esquecem que são pais.... está criando uma geração sem educação e respeito... onde só as vontades deles prevalece...

mas é mais fácil varrer a sujeira para debaixo do tapete... é muito mais cômodo dar o queres eles querem, do que impor limites e bancar o ‘chato’

os pais não deveriam preparar os filhos para o mundo? o que será destes adolescentes quando perceberem que o resto do mundo não dará a mínima para as vontades deles?


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Belle D´Jour
No PF desde: 19/07/2010

Então, acho que vivemos um impasse "pós moderno". Concordo com absolutamente tudo o que vc escreveu, Caronte. Me parece que ao longo da história, relações pai-filhos tem servido como um meio de empowerment ás pessoas. Claro que historicamente isso vem revestido de componentes diversos, como no caso do campo em que os filhos fazem parte de uma unidade geradora da produção agricola, são parte do processo de produção propriamente dito; daí o fato das famílias camponesas terem muitos filhos para poderem sobreviver enquanto unidade produtiva. Neste modelo, o pai encabeça uma autoridade mesclada entre chefia e família.

Me parece que hoje vivemos entre dois modelos extremos e distintos em termos de relações familiares. De um lado, a sobrevivência de formas de autoridade que remontam esse passado, onde os pais são a autoridade maxima, só perdendo para "Deus". E é no extremo dessas relações que vemos toda a sorte de abusos, como violência doméstica de todo tipo (indo da psicológica a sexual e mesmo, morte. No outro extremo, o afrouxamento total dos laços de autoridade que prendiam pais e filhos e a busca (muitas vezes confusa) de uma relação de amizade por parte dos pais que não se dá sem conflito também. Como a Ana falou, esse modelo tende acarretar consequências complicadas que se acentuam em uma sociedade permeada pelo consumo e capitalismo como a nossa: filhos sem educação, sem limites, e sem respeito pelos pais, cujas consequências vemos condensadas em casos extremos como no caso da Richtoffen, por exemplo.

Esse é o nosso dilema pós moderno: encontrar um meio termo sem errar a mão. Eu, particularmente sou da opinião que o conflito tende a se acentuar sobretudo quando os filhos percebem que seus pais são humanos e no caso de viverem sob um regime de autoridade e repressão extremo, acabam "perdendo o respeito" (pelo menos isso aconteceu comigo e tantas outras). Por outro lado, não pode haver respeito numa relação absolutamente igualitária, onde o pai é amigo dos filhos e nada mais. Assim, como filha que sou e mãe que me tornei, não tenho como dar uma resposta sobre como solucionar esse impasse. Tento agir "endurecendo sem perder la ternura jamás", mas confesso que não é nada fácil essa tarefa. Como mostrar aos filhos que estou brava com a ação que eles fizeram e não propriamente com a pessoa que eles são? Confesso que sempre achei detaestavel essa coisa dos pais colocarem os filhos na geladeira durante dias a fio ou proferir impropérios e ofensas. Como mostrar então de modo eficaz que eles estão errados? Certamente que não é sendo só" amiguinho" deles. Como ser eficaz sem ferir da mesma forma como fui ferida pelos meus pais, i e, como não repetir os erros do passado sem partir para os extremos?

Complicado. Enfim, só acrescentei mais questionamentos ao invés de apontar soluções....


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Belle D´Jour
No PF desde: 19/07/2010

Em tempo. Escrevi, escrevi e esqueci de dizer o principal. Esta tendencia de igualitarismo nas relações pais e filhos tem sido reforçada até o seu radicalismo por um conjunto de discursos modernos que privilegiam o vinculo afetivo mãe e filho e mais notadamente o bb nesta relação. Quem se tornou pai/mãe recentemente sabe do que estou falando e abordei a questão neste tópico aqui.


http://www.precisofalar.com.br/forum/mulher/o-backlash-silencioso


Trata-se de um conjunto de discursos que tem sido repetidos a exaustão na sociedade, tanto pelo governo, pela mídia e sobretudo por ativistas que ao privilegiar tais relações acabam prescrevendo de modo radical o comportamento feminino, tornando as mulheres reféns das mesmas, e reposicionando-as na mesma esfera que o feminismo se esforçou por retirá-las: a da domesticidade. dentro destes discursos, como se tornar mãe hoje em dia é uma escolha, ao faze-lo, deve-se então exercer a maternidade (ou maternagem) com maestria e perfeição. Isso envolve desde o parto e vai durante toda a primeira infancia o privilegio ao bb .


Assim, prescreve-se os comportamentos: o parto mais adequado é o natural, amamentação em livre demanda até os seis meses e amamentação prolongada até o 3o ano da criança, se possível privilegiar a relação com o filho ao invés do trabalho (o que envolve deixar de trabalhar), escola só no 3o ano de idade, uso de fraldas "ecológicas" ( d e pano). Claro que muitas destas condutas tem comprovação cientifica de que são melhores. Contudo, nenhuma mulher está de fato "negando seu leite ou o direito a amamentação aos seus filhos.


Assim, tais discursos, além de deixarem as mulheres que nãos eguem a risca essas prescrições culpadas, deixam de olhar para outras complexidades. Em relação ao parto natural, hoje em dia o Brasil envolve o maior numero de cesareas, de modo que se a mulher não tiver condições de pagar uma equipe humanizada para fazer seu parto, ele dificilmente será "digno" da maneira como as ativistas do parto natural prescrevem. Em relação a amamentação: é sabido que o leite materno é a maior fonte de nutrientes para os bbs até o 6 mês. No entanto, amamentar não é algo fácil, envolvendo paciência, muitas vezes recursos financeiros e outras, o simples fato da mulher ter baixa produção de leite. Contudo, os discursos vão no sentido de afirmar que "toda femea humana pode produzir leite; ou que amamentar é um ato de amor". Aquelas mulheres que não puderam amamentar sentem-se culpadas com a sensação de que não fizeram o bastante, mesmo tendo ido além do seu limite e ainda são reprovadas socialmente como preguiçosas, desnaturadas, relaxadas, o que não é verdade. Até porque olhando na pratica, fazer mamadeiras (lavar, esterilizar) é até mais trabalhoso do que simplesmente descobrir os seios e amamentar, sem contar que cada lata de fórmula não custa menos que R$30,00. _mas não, isso não é um ato de amor. Na mesma via, tem sido os discursos, estes mais recentes sobre o vinculo mãe-bb quando a mãe escolhe ficar em casa. A questão é que ficar em casa nem sempre é uma escolha, sobretudo em sociedades latino-americanas; e mesmo que o fosse, muitas mulheres já não são criadas mais para isso. E por fim o retorno ás fraldas de pano, para mim uma das coisas mais absurdas que já vi. Tudo bem, que por tras deste uso tem a questão do meio-ambiente: mas além do trabalho em dobro que isso acarreta, não seria trocar os pés pelas mãoes, ie, e a quantidade de agua que usamos para limpar essas fraldas? Enfim...

A meu ver, estes discursos apesar da roupagem nova, como eu já disse trazem em seu cerne a semente do retrocesso ao apregoar posições de um stablishment que já deveria ter sido superado, tornando novamente as mulheres reféns de velhos papéis.

Não sei como serão as próximas gerações criadas dentro do discurso naturalista (como a filósofa Elisabeth Badinter denomina esta tendencia). Mas sei o que está acontecendo com boa parte dessas mães (sendo que eu mesma passei pela experiencia recentemente): está-se criando um circulo vicioso de culpa e medo de que seus filhos não sejam boas pessoas, o que contribui ainda mais para que os laços de autoridade sejam afrouxados.


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Frésia
No PF desde: 30/12/2009

Muuuito bons os textos e as considerações do Caronte e da Belle, me deixou quase sem fala..

Eu vivo sempre entre essas pressões de poder familiar, não sou nada boa em reagir a elas. (Ainda mais meu lado libriano que vive tentando evitar e mediar conflitos)

E passo trabalho pra tentar educar minha filha dando limites sem reprimi-la demais.


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Marimare
No PF desde: 21/01/2013

Uau!!!


LucasAD
Offline
No PF desde: 08/09/2013

Texto incrível, vc não tem noção de como ele foi importante para mim nesse momento, tive que me cadastrar só para comentar aqui.


Eu tenho 14 anos e estou passando exatamente por essa revolução pessoal, questionando a distribuição de direitos e poderes dentro desse microcosmo que é a família, as posturas, as hipocrisias cometidas entre outros. No momento estou entrando em atrito muito com a minha vó e minha mãe em relação aos abusos que elas cometem comigo e meu irmão, ela esses dias chegou ao absurdo de espantar meu irmão da sala onde já estava assistindo TV a um bom tempo, pois ela se irritou muito quando ele pediu silencio dela meu do meu tio que estavam conversando na sala. Quando eu questionei sua atitude, ela se sentiu extremamente envergonhada pelo fato se estar dando satisfação para o seu neto na frente do meu tio (o que para eles significa fraqueza, mas que na verdade deveria evidenciar compreensão e harmonia na casa), usou logo o argumento do "A casa é minha!", depois continuei discutição e ela me atacou arranhado meu braço.


A muito tempo situações semelhantes vem aconhescendo, depois de uma discussão como essa veem todos os adultos de dizer como vc foi desrespeitoso e ingrato, eu tento agrada-los me convencendo que realmente fui desrespeitoso, mas nunca me sinto satisfeito sempre vem uma sensação de injustiça. Com esse texto eu percebo que eu tenho razão, antes eu tinha duvidas e achava impossível concordarmos em o que é certo é em o que é errado, mas a justiça dentro da família não vem de padrões pre concebidos mas daquele sentimento inegável que aparece diante de uma injustiça, e que por mais que todos falem e vc "aceite", doi quando volta a pensar.


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Nary
No PF desde: 20/08/2008

LucasAD seja bem-vindo ao site...