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Mente moderna, coração careta. Nossas emoções nem sempre combinam com as nossas ideias.
Nem sempre nossas convicções andam juntas com as nossas emoções. É comum que a gente pense uma coisa e sinta outra. Ou defenda em teoria coisas que não conseguimos praticar. O ideal seria que dentro de nós valores e emoções andassem coladinhos, mas nem sempre acontece. Vira e mexe a gente se pega em contradição com a gente mesmo: achando uma coisa e fazendo outra; desejando diferente do que acha bonito.
Outro dia, conversando com uma amiga, ela comentou que aquilo que diz sobre sexo e fidelidade não tem muito a ver com a vida que ela realmente leva. O discurso dela é muito liberal, mas a realidade dela é bem careta. Uma coisa são as convicções dela sobre o que é certo nesse terreno, outra são as atitudes que ela tem vontade de tomar. As duas coisas não batem, e ela se sente uma fraude.
Acho que esse tipo de coisa acontece todo dia, com muita gente. Coerência é uma mercadoria que nem sempre está disponível quando o assunto envolve sentimentos.
No passado, quando a sociedade inteira era mais ou menos moralista, as pessoas faziam sexo por impulso, enganavam seus parceiros e traiam suas mais profundas convicções. Corriam riscos graves e sofriam ao fazê-lo. Agora, quando a maioria tornou-se liberal, muitas pessoas violam suas próprias crenças e levam vidas sexuais e afetivas que seus avós aprovariam. Não é engraçado?
O que há de comum e ingovernável nos dois casos é o desejo. Às vezes queremos transgredir, outras vezes temos necessidade de nos adequar. A beleza do tempo em que vivemos é que ele permite as duas coisas. Todas as coisas, na verdade. A menina que quer namorar meninas e experimentar os prazeres da transgressão, pode. Assim como a garota ou garoto que sonha com o grande amor e o casamento na igreja: também pode.
Além de bonita, essa liberdade é benigna. Pense nos milhões que viviam em sofrimento no passado, quando não se podia fazer nada que o padre não abençoasse. Imagine os milhões que sofreriam agora se todos fossem forçados a agir como “modernos”. Não dá. O espírito humano é avesso a esse tipo de uniformidade. As pessoas são diferentes entre si. Desejam e necessitam coisas diferentes. O papel da sociedade é respeitar - e impedir, vigorosamente, que os desejos sejam satisfeitos por meio de violência física ou qualquer outra espécie de coerção. O resto é interferência indevida.
Mas isso não resolve o desconforto da minha amiga.
Ela tem toda a liberdade do mundo, mas não tem vocação para exercê-la. Acontece com muita gente. O ambiente ao nosso redor ajuda a desenvolver ideias e a moldar nossos valores. Depois espera que atuemos de acordo. Mas, quando se trata de questões íntimas, nem sempre é possível. A pessoa pode ser intelectualmente a favor do sexo livre, da bissexualidade e do poliamor, mas, na hora de transar com alguém que não seja seu parceiro ou parceira, vacila, treme e broxa. Acontece o tempo inteiro. A cabeça está num lugar, o sentimento está em outro. O intelecto é livre, mas a consciência está presa a certas formas de viver. O que se faz?
Quem sente essa contradição como sofrimento pode buscar ajuda. Analistas são ótimos em identificar a causa das fissuras entre pensamento e sentimento. Um bom profissional pode ajudar a colocar as coisas em sintonia. Mas muitas pessoas não sentem a contradição como um problema. Estão em paz com a colisão de sentimentos e ideias. Sentem-se felizes com aquilo que são e sentem. Não me parece que haja nada de errado nisso.
Quando eu era criança, nos anos 60, teve início uma onda quase revolucionária que tinha a intenção de libertar todo mundo para os prazeres do sexo. As proibições eram muitas e aos poucos foram sendo derrubadas. Cinquenta anos depois, nós ainda vivemos sob os efeitos dessa borrasca salutar de permissividade.
O que a atual geração acrescentou de original a ela foi a percepção de que nem todos querem ser libertados. Muitos aplaudem a revolução sexual e até lutam por ela, mas preferem, pessoalmente, viver de maneira recatada. Mantêm relações monogâmicas desde cedo, casam-se por volta dos 20 anos e têm filhos. Ou ficam solteiros, mas sempre com um namoro de cada vez, comportadamente. Parecem viver tão felizes – ou mais – do que aqueles que estão na vida louca. Apenas de maneira diferente.
Deitados no divã do analista, talvez os comportados confessem fantasias que fariam corar o Marquês de Sade. Mas, e daí?
Todos têm fantasias inconfessáveis. Elas não desqualificam ninguém.
Hoje em dia podemos sonhar com tudo, até com a possibilidade de sermos caretas. Sem culpa.
é claro, texto do Ivan :)
Em algumas coisas sou careta, em algumas liberal. Me sinto confortável transitando entre os dois, me permito a liberdade de ser o que sou.
Sou como a Ro também:liberal em certos pontos e careta em outros...A vida é assim:a gente sempre transita nesses pontos de liberdade...
Eu durmo perfeitamente bem a noite sabendo que sou liberal e/ou careta com os outros e muitíssimo exigente comigo.
Nunca tive vergonha de admitir que dou liberdade aos outros que jamais daria para mim, pq sou EU a imagem refletida no espelho todos as manhãs e gosto de gostar o que vejo. E que em alguns assuntos sou tão rígida na minha opinião com o próximo como sou comigo mesma - gosto de saber que as pessoas que me cercam merecem o meu respeito e admiração. Mesmo que esse respeito e admiração sejam conceitos meus.
Eu não são CARETA nem com outros nem comigo, mas não abro mao de algumas posições nem para eu nem para outros.
Eu me vi na resposta da kvet... Sou liberal, mas careta também... Eu presto contas á minha imagem no espelho...
Li certa vez que a tendência dos adolescentes agora e de serem caretas, retornando um comportamento dos avós, porque o comportamento liberal não deixa nada a escolher, a desejar, a questionar, visto que tudo pode...
Gostei do texto...