Afetos impossíveis... devaneios... amores platônicos ....

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_Ana_
No PF desde: 19/09/2010

mais uma ótima coluna do Ivan.... ahh estes devaneios... quem já não teve um amor/paixão platônico por quem não deveria? :)

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Afetos impossíveis

O que acontece quando o nosso desejo desafia a lei da gravidade

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Conheço um sujeito que se apaixonou pela cunhada. Um dia começou a pensar nela antes de dormir. Pouco depois, percebeu que não via a hora de encontrá-la nas reuniões de família. Não que fosse uma beldade, ele me disse. Era apenas uma gordinha brejeira, diferente da pálida elegante que ele namorava. De tanto desejar a mulher do irmão, começou a imaginar que ela também o queria. Achou que percebia olhares, sorrisos, raspões de corpo na porta da cozinha. Um dia, meio bêbado no almoço de domingo, na casa dos pais, teve certeza de que ela tocava os pés dele embaixo da mesa. Uma loucura.

Como não era personagem do Nelson Rodrigues, nem a vida dele uma tragédia suburbana, num dado momento o surto passou, antes que ele tivesse tempo de fazer qualquer loucura. De alguma maneira, percebeu que, em vez paixão, o que estava sentindo era puro assanhamento - explicável, em boa medida, pelos problemas dele com a namorada. Quando as coisas recomeçaram a funcionar na intimidade dele, a cunhada voltou a ser apenas a mulher sorridente e carinhosa que sempre fora.

Por trás dessa história inofensiva existe algo que eu chamo de “afetos impossíveis”. O alvo desses sentimentos insolúveis pode ser qualquer pessoa, mas a situação é sempre a mesma: uma fantasia amorosa invade a nossa consciência e ocupa o espaço da vida real. Em vez de mandá-la para o ralo dos devaneios inconfessáveis, nós abraçamos a aberração. Então os problemas começam.

Há homens maduros que se apaixonam pela filha do vizinho. Há professoras que ficam obcecadas por alunos adolescentes. Há garotas transtornadas por outras garotas que nada querem com elas. Até gente enamorada do amigo ou da amiga cabe nessa definição. O que liga todos esses casos é a ausência de esperança. O que os torna parecido é o fato de esporem os caprichos do nosso desejo.

Nós queremos tudo, o tempo inteiro. Afeto, sexo, admiração, objetos. É um milagre de sanidade que a máquina de querer que somos nós consiga estabelecer com o mundo – e com outras pessoas transbordando de vontades – alguma relação civilizada. Na maior parte do tempo, mantemos sob controle o aparato desenfreado de querer. Aplicamos sobre ele o duro princípio da realidade. Eu quero, mas Fulana não quer. Eu tenho vontade, mas não posso. Já tentamos e não deu certo. São mecanismos racionais de defesa que funcionam. Secretamente ainda queremos, mas esses mecanismos nos ajudam a socar a vontade inconfessável no porão da alma, lá embaixo, onde só entramos escondidos uma vez por ano, geralmente bêbados.

Quando permitimos que uma vontade assim escape do porão ela vira um afeto impossível, espécie de Godzila emocional destruindo o centro de Tóquio, que somos nós. Desejo pela cunhada, paixão pelo amigo gay, o impulso de procurar aquela mulher que agora está casada com dois filhos. Que tal escrever, de novo, para aquela pessoa que trata você como lixo? Ou reatar o romance destrutivo que pôs à mostra o que há de pior em você?

Não é preciso ser tabu para ser um afeto impossível. Cada um de nós conhece melhor que ninguém o rosto do seu mostro e os contornos do porão sombrio de onde ele saiu. São desejos sem correspondência na realidade. Autoindulgências perigosas. Situações trágicas, no sentido de que o seu desfecho é mais ou menos inevitável desde o início. Coisas que nos machucam, e, no limite, são capazes de nos destruir. Quem se concede esse tipo de fantasia está fadado a dar com os burros n’agua 9,5 em cada 10 vezes. Mas muitos insistem em tentar.

Afinal, hoje em dia vivemos para realizar os nossos desejos. Acreditamos que a satisfação das nossas fantasias é a única forma de felicidade - na vida material e nas relações afetivas. Em vez de cultivar o senso de proporção e de realidade, agimos, na vida amorosa, como consumidores afoitos para quem tudo está disponível. Acreditamos no triunfo do desejo mesmo que ele dispute com a lei da gravidade.

Pois eu acho que os limites existem. Cunhada não pode, filha do vizinho é demais, gente maluca não dá. Quem apenas nos faz sofrer está fora da lista, paixão platônica por amigos é burrice, dependente químico precisa de médico. Nem tudo que desejamos é legítimo, afinal. Nem tudo pode. Um dia temos de aprender a dizer não para nós mesmos e olhar os erros de frente.

Aprender com as decepções. Em vez de ilusão, realidade. Em vez de devaneio, mundo real. Os afetos impossíveis resultam em boas histórias do Nelson Rodrigues – mas são histórias que ninguém quer levar na própria biografia.

Ivan Martins

http://epoca.globo.com//colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2013/07/afetos-bimpossiveisb.html


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kvet
No PF desde: 05/06/2010

Perfeito.


Nem tudo na vida dá para encarar. Algumas coisas são reprováveis. Prazer nem sempre vem em primeiro lugar. Respeito é bom e necessário... Dizer isso hoje em dia virou caretice ou sinônimo de mal amada... Ou nem sempre... e nem para todos...


Ahh, esqueci: algumas coisas na vida dá para dizer com toda certeza: DESSA ÁGUA NUNCA BEBEREI.


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vica
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No PF desde: 25/08/2010

Muito interessante o texto....Pena que só li 3 anos depois!!!!


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Ella
No PF desde: 08/09/2011

Afetos impossíveis...

Quem nunca os teve?


Adorei o texto!


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Nary
No PF desde: 20/08/2008

Gostei, do texto..


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Frésia
No PF desde: 30/12/2009

É difícil dizer não pra gente mesmo..

Uma luta diaria.


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Jean
No PF desde: 11/11/2010

"""Pois eu acho que os limites existem."""


E quando esse limite não é muito claro???... quando o outro lado não é a cunhada, filha do vizinho, freira, padre da parroquia, etc., etc.???... cómo saber distinguir essa linha do limite; do quê pode e/ou do quê não pode???


Vou dar um exemplo daqui do pf mesmo; imaginem que tenha alguem que gosta de uma outra pessoa aqui do forum... essa pessoa seria considerada uma caçadora impiedosa ou ficaria a dúvida se estaria dentro ou fora desse limite que se fala no post acima??? O limite seria chegar a somente serem amigos??? :-)


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alice55/RJ
No PF desde: 01/06/2009

Oi, Jean!


Gostei do seu exemplo, e vou me colocar pessoalmente na questão.


Imagine que eu, Alice55RJ, estivesse apaixonada por alguém aqui do fórum... Não posso ignorar o fato de que a maioria dos foristas é do RS, e alguns são homens casados, ou tem compromisso afetivo.


Portanto, para realizar essa fantasia, eu teria que viajar até o RS (ou ele vir ao RJ); devido a distância, nossos encontros presenciais seriam raros, e o romance continuaria mesmo é por e-mail, skype, telefone, etc.


A pouca convivência não seria suficiente para forjar um sentimento capaz de vencer permanentemente distâncias e barreiras (casamento, família de ambos, filhos, uma vida já estruturada em vários aspectos).


Ainda talvez, o objetivo dele fosse só esse mesmo: uma “comidinha”, um ponto ganho na “contabilidade” pessoal no quesito “quantas mulheres eu já tracei”. Nesse caso, nunca mais nos veríamos na real.


Portanto, as postagens que aqui no fórum são um sonho, na realidade se converteriam rapidamente em pesadelo, angústia, ansiedade, etc.

Eu seria a “caça” e não a caçadora.


E fora que o próprio autor do texto citou que quando o rapaz em questão resolveu os problemas com a namorada, a tal cunhada “voltou” ao seu devido lugar... Tive uma amiga que dizia que amante é sinal de sexo mal feito.


Neco (forista) já disse: “se apaixonar no virtual é muita carência”.


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Jean
No PF desde: 11/11/2010

Alice... colocando lenha na sua fogueira:


"""Imagine que eu, Alice55RJ, estivesse apaixonada por alguém aqui do fórum... """ Fico a imaginar, quem seria o felizardo???


"""Portanto, para realizar essa fantasia, eu teria que viajar até o RS (ou ele vir ao RJ); devido a distância, nossos encontros presenciais seriam raros, e o romance continuaria mesmo é por e-mail, skype, telefone, etc."""


Não vejo muito problema... Eu não chamaria de fantasia e lembro-te que há uma ponte aérea GIG(SDU) x POA que pode servir para amenizar um pouco e eventualmente essa distancia... detalhe; acredito que são no mínimo 3 linhas aéreas que pode se escolher... o pessoal que mora em POA deve saber melhor do que eu.


"""Ainda talvez, o objetivo dele fosse só esse mesmo: uma “comidinha”, um ponto ganho na “contabilidade” pessoal no quesito “quantas mulheres eu já tracei”. Nesse caso, nunca mais nos veríamos na real."""


Se vc for com o pensamento acima... realmente e até na vida real vc vai ficar cheia de neuras e só na defensiva... vale o mesmo conselho de um outro post em que é necessário saber escolher e neste caso especifico diria que o pf ajuda... acho que homens maduros não fazem isso... vc menciona coisas de adolescentes ou de homens novos e acredito que muitos do pf já devem ter passado por essa fase... não coloque isso como desculpa... páre de ser timida e vai à luta!!! sem que isso signifique vc se sentir a caçadora (vc´s mulheres sabem fazer isso muito bem) E se não der certo... ao menos dirás para vc mesma; eu tentei !!!


"""Tive uma amiga que dizia que amante é sinal de sexo mal feito."""... sexo mal feito com o marido e por isso o amante... acho que ela não soube se expressar... pq se fosse sexo bem feito com o marido, ela não teria o motivo para experiencia com o amante... fora que talvez deva ter perdido o resto de amor que ainda sentia por ele.


""" “se apaixonar no virtual é muita carência”."""... enquanto fica só no virtual, concordo... massssssssssss, quando vc transforma tudo isso em real e havendo a mesma química... imagino que vc deva minimizar a carencia. O detalhe é que nem sempre a química do virtual para o real pode continuar boa... é o risco que pode se correr.


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alice55/RJ
No PF desde: 01/06/2009

Fique tranquilo, Jean, te garanto que não é o caso.

Foi só mesmo uma ilustração do seu exemplo, e mesmo porquê, se houvesse interesse da minha parte em alguém aqui do PF, com certeza eu já teria tomado a iniciativa... Não sou tão tímida quanto pareço rsrsrs...


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vica
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No PF desde: 25/08/2010

Interessante Jean....Muito interessante!!!!