Crônicas do cotidiano - Defensores da natureza

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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Ecologia. Palavra nobre que significa tratar a natureza como ela sempre nos tratou: com respeito, humildade e admiração. Além de nos mostrar uma lista quilométrica dos animais em extinção, a ecologia nos ensina como cada um de nós pode e deve tratar a natureza: não jogar lixo aqui, não desperdiçar ali, evitar uma queimada acolá. Grande parte deste trabalho de valorização da natureza é feita por profissionais que, à primeira vista, são desprezados, humilhados e, aparentemente, só nos atrapalham no trânsito caótico das nossas cidades: São os carrinheiros. Catadores de papelão que, sem o seu suor diário, teríamos lixo e gás carbônico de mais e árvores e natureza de menos. Um dia tive o grande prazer de conhecer um destes profissionais.


Tarde da noite de sábado. A entrega dos marmitex já tinha terminado há dois mendigos atrás. Chegando na esquina de casa vemos um carrinho, destes cheio de papelão que todos conhecemos que, de tão cheio, achamos quase impossível alguém puxá-lo. Pasmos, encostamos o carro antes desta esquina, observando uma senhora idosa de cabelos brancos sentada ao lado deste carrinho. E agora? Não tínhamos mais nenhuma comida conosco. Após um breve momento de indecisão, nos dirigimos a ela e a ajudamos com dinheiro, ainda lamentando não ter sobrado nada. Assim que saímos vimos um senhor magro chegando para conversar com ela. Duas semanas depois, vi-a catando latinhas no lixo do vizinho. Chamei-a para conversar. Papo vem, papo vai e fico sabendo que ali estava uma pessoa como eu ou você, porém mais calejada e vivida.


Eles começam o trabalho às sete horas da manhã e só terminam lá pela uma hora da madrugada. Toda semana, de segunda a sábado. Moram do outro lado da cidade num condomínio popular chamado Habiteto. Como não têm condições de atravessar a cidade puxando aquele peso todo, eles o levam até a sucata tarde da noite. Enquanto um dorme, o outro vigia. Neste revezamento, passam a noite inteira. Às sete da manhã a sucata abre, eles entregam o material e começam tudo de novo. E de novo, e de novo, indefinidamente. Sabe quanto que eles conseguem receber por toda carga depois de tanto esforço? R$ 6,00. Refeição? Somente o que conseguem por aí. Apenas R$ 6,00 por dia. Sério, fiquei sem fala, sem ter nada o que dizer. Vontade de chorar, gritar, pasmar. R$ 6,00 !!!


E a partir desta conversa começou nossa amizade. Seo Josué dá duro o dia todo e D. Silvia o acompanha sempre. Não precisaria ir junto, mas faz questão. Diz que não está certo ele se esforçar tanto e enquanto ela fica em casa. Quando eu estiver assim, velhinho, de cabelos totalmente brancos, quero dar e receber amor que nem o deles: Maduro, sereno, eterno, fiel e companheiro. É muito fácil dizer \"Eu te amo\", mas mostrar da forma que eles se tratam é sublime. D. Silvia tem os olhos constantemente vermelhos de sono, vive cansada. Já a vi tremer de febre durante uma gripe num dia de chuva. E ele sempre a espera pacientemente. Mas estão sempre do lado de quem amam. Sempre brinco quando aparecem: \"Chegaram os pombinhos\". Ah, o amor...


Numa noite fria de inverno D. Silvia apareceu com a filha e os netinhos. O mais novo, de apenas três anos, estava dormindo num carrinho de bebê enquanto os irmãos Marcelo e o Michael, acanhados, literalmente estavam grudados na calça da mãe. Contaram-me que Seo Josué tinha conseguido uma grande carga de ferro. Fez tanto esforço puxando o carrinho que ficou dois dias sem poder sair da cama de tantas dores no corpo. Elas então saíram para pedir alguma comida nas casas. Naquela noite o caçulinha estava com febre. Ele tem bronquite, já teve dias de parar na UTI.


Enquanto conversávamos, Michael e Marcelo começaram a se soltar, brincando com meu cachorro Rex e as gatas Fifi e Mimi. Os dois sobem no murinho de casa, tentam pegar as gatas ariscas, se divertem com o Rex, mas ainda estavam muito acanhados para falarem comigo. Mais de uma hora depois eles têm que ir, pois o último ônibus chegaria logo. Quase na esquina, Marcelo, de mão dada com a mãe, olha para trás e, apesar do acanhamento, dá um sorriso meigo e um tchauzinho com a outra mão. Tem poucas coisas mais lindas que um sorriso de uma criança. Também lanço um tchau no ar, lutando com uma lágrima solitária que teima em fugir.


Hoje é segunda, dia deles aparecerem. Chove lá fora. Fica difícil trabalhar com chuva, preferem não arriscar. Quem sabe na quarta eles vêm?


Rudolf Waller

Novembro de 2002


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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Anos atrás escrevi algumas crônicas com fatos reais que divulga o trabalho assistencial que fazemos aqui em Sorocaba. Com ela tentamos espalhar sementinhas de assistência aos quatro ventos da Internet. Quem sabe algumas brotam AÍ NA SUA CIDADE?


Aproveitando esta crônica, gostaria de pedir uma ajuda sua. Uma grande ajuda, por sinal, mesmo que seja uma vez por semana ou por mês. Afinal de contas uma boa semeadura se faz espalhando as sementes. Gostaria então de espalhar mais algumas por aí, se você me permite:


Não sei em qual cidade você mora, mas acho que aí deve ter uma creche, orfanato, asilo, hospital que deve estar precisando de um sorriso seu.


Também existem diversas instituições de caridade, igrejas, centros espíritas que precisam de gente para distribuir alimentos, roupas, amor.


Para não dizer das pessoas em semáforos que, mais do trocados, precisam de respeito, uma palavra amiga, um dedo de prosa, um sorriso.


E, principalmente, tratar as pessoas menos favorecidas financeiramente como iguais que são. Assim você vai perceber o quanto podemos aprender com eles. A partir deste momento, você não vai conseguir saber quem está ajudando a quem. É deste ponto em diante é que temos certeza que o que mais foi dado foi amor.


Agora tenho certeza que não será nenhum frutinho que brotará aí, mas sim um fruto raro de sabor exótico. Basta começar a regar. Você poderia nos dar esta grande ajuda?


Sucesso e que Deus lhe ilumine sempre.


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nunu
No PF desde: 28/06/2009

Com certeza Rudolf!!!!! Apoiado.


Um gesto muito nobre o seu.... não é todo mundo que se comovi ou se solidariza com os problemas dos outros... e o teu texto so mostra que o significado das coisas não está nas coisas em si, mas em nossas atitudes.


Amor ão proximo é uma rica qualidade, pois é um amor intransferivel, é demostração de afeto e cuidado, sem o menor interessi de receber algo em troca, é apenas solidarizar-se, e Solidariedade é um gesto rico.


Parabens!


e outra coisa! Novembro de 2002? sera que estou ficando maluca? pelo que me consta estamos em 2010, ou não?


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Rudolf
No PF desde: 12/06/2010

Quote:
Novembro de 2002? sera que estou ficando maluca? pelo que me consta estamos em 2010, ou não?


De vez em quando também fico com dúvidas em que ano estamos :)


As crônicas do cotidiano foram escritas entre 2002 e 2004 e enviadas por email a dezenas de milhares de pessoas. Foi um tipo de \"spam do bem\" para incentivar as pessoas a ajudar nossos irmãos mais necessitados.


É com este objetivo que as reproduzo aqui no PF. Quem sabe alguns PeeFeiros não passam a ajudá-los também?


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Júpiter
No PF desde: 08/07/2010

\"Tem poucas coisas mais lindas que um sorriso de uma criança.\"


De fato, Rudolf. Nada há a acrescentar nessa frase.