Lu

precisofalar
Postado em:
16/07/2010 - 17:13

Bonaparte Jobim, advogado e escritor, nos brinda com um de seus contos.

 

Não podia desprezar a idéia de que ele era especial. Muito especial! As flores do campo que recebi entregues pelo porteiro, ao final da tarde, quando voltei do consultório, não passava de vã tentativa dele de consertar a minha raiva. A sua chegada tinha sido tardia, mais ou menos naquela hora em que o luar começa a lamber a calçada ao se despedir da noite. As flores estavam acompanhadas de um cartão no qual rescendia meu perfume predileto, que, mesclado, se confundia com o cheiro dele: cheiro de macho, dominante. Lia-se na dedicatória: “Falta tu no buquê, flor mais linda!”.

Eu sei, sei, concordo, é meio cafona, talvez um pouco piegas, mas é gostoso ser lembrada assim, até mesmo se for mentira.

Não, não e não! Agora deu. Mandei-o embora, definitivamente.

Não preciso dele. Sou uma quarentona bonita, independente, segura, me garanto sozinha [nem que seja por uns tempos], chega desta muleta afetiva. Não quero mais. Deu. Adeus, Bebeto!

Quando o moreno do quinto andar segurou a porta do elevador para eu entrar, senti um tremor que começou na ponta dos pés e correu corpo acima até o último fio dos cabelos: o cara é um arraso. Máquina, 1,80 de beleza pura: puta que pariu! Ele anda no meu bico há horas e, agora, com a noticiada e comentada ausência do Bebeto edifício afora, ele aumentou a carga.

Diga-se, a bem da verdade e para não parecer que estou chutando o ex, que o Bebeto na redondeza é unanimidade: da dondoca ao feirante, todos, sem exceção, gostam dele. O desgraçado é bom, tenho que reconhecer [jamais na presença dele].

- Olá! Tudo bem?

- Tudo bem! Respondi, sem demonstrar muita convicção.

- Acho que vai chover, disse ele.

- Dentro do elevador?

- Não. Não. Na rua.

- Ahhh...

- E aí? Solteira?

- Não. Nunca fui casada. Não fica de lero-lero que eu não gosto, tu conheces o Bebeto e sabes que ele não era meu marido. Silêncio. O Gardel sentiu a porrada. Não esperava uma de frente assim. Achou que era só chegar. Tá pensando o que. O elevador ainda estava no térreo e eu me senti nas nuvens - dá-lhe Lú!

Melhora a cantoria ou vai vender noutra freguesia, não é assim não. Chegou e levou? Não mesmo, fiquei muito puta com a chegada.

Desculpa. É que fiquei nervoso, sou muito afim de ti, me atrapalhei, disse ele, desviando o olhar para apertar o botão do oitavo andar.

Melhorou. Veio bem. Gostei mais porque o pedido de desculpas veio acompanhado de um leve rubor nas faces. Ele respondeu meu ataque frontal com uma manobra de recuo, o que sempre funciona quanto mais aliada a uma leve massagem na alta estima ao confessar-se meu admirador. Deu Xeque de Rei na Rainha. Bebeto!
Acho que vais dançar amor.

- Querido. O meu apartamento é no quarto, no quarto andar. Marca, por favor, disse eu, empunhando sorrateiramente a bandeira branca.

- Afinal, vamos, no meu ou no teu apartamento, ele interpretou, dramaticamente, de forma pausada.

Bah! Que coisa palha! Pô! O cara é muito ruim, não sabe definir a parada. Se eu não estou em jejum há trinta dias ele dança na hora.

- No meu – disse, com a voz rouca, tentando disfarçar.

- Posso convidar mais alguém, perguntou sem me olhar, de cabeça baixa.

Não. Não acredito. O cara dá uma martelada no prego e outro no dedo. É sonho! Ménage a trois. Estou nas mãos do Bebeto há doze anos. Virou burocracia. É gostoso, mas não dá mais aquela dor gostosa na boca do estomago. Opa! Tenho que ser justa, até na traição: quase sempre dá. Agora, entretanto, estou voltando aos velhos tempos, estou tremendo da cabeça aos pés.

Timidamente, engasgada por dentro, entregue, mas como é adequado para uma mulher recatada, do bem, pergunto, balbuciando, mais prá lá do que prá cá!

- Macho ou fêmea?

- Macho!

- É carinhoso? Indago, com as pernas bambas.

- Muito, diz ele.

Pronto, me matou. É a fantasia maior: Lú versus dois. Um bonito, o outro macho e carinhoso. Bebeto! Bebeto! Sorry baby. 

- Nome da peça?

- Bito.

- Bito? ... É apelido? Parece nome de cachorro.

- É o meu chihuahua, ganhei da mãe, ele não gosta de ficar sozinho, se estressa, além do mais ele vai gostar de me ver fazer amor. É muito mimoso comigo. Tudo bem para ti?

- Genial, respondo, rindo. Venham às nove horas, em ponto. É no 406. Estarei esperando pronta para vocês os dois.

São exatamente nove horas, estou no quinto chope.

- Paulinho! Trás mais um, direto, com colarinho.

Dava um dedo para ver a cara dos dois, dando com os focinhos na porta, ouvindo o som da campainha me buscando pelo apartamento vazio.

Rindo, faceira, ligo.

- Alô! Bebeto? Adorei as flores. Tu és o fdp mais querido do mundo. Estou no baréco de sempre, mesa do Paulinho, como diz a Adriana “nada mudou”, só aumentou foi a saudade.

- E ... Não demora seu merda e, por favor, não me fala em cachorro!

Dudy

Bonaparte

Postado em:
19 de julho/2010